“Hoje é um dia histórico e estratégico”, definiu Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, ao celebrar a assinatura do memorando do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia. O tratado, observou, não será exclusivo para grandes corporações. “Vamos impulsionar as pequenas empresas.”
O anúncio de um entendimento prévio aconteceu após 25 anos de negociação. Há, no entanto, um longo e incerto percurso pela frente. A França opõe-se à assinatura e tem arregimentado aliados, entre eles Holanda, Polônia e Itália, para barrar a iniciativa no Parlamento Europeu. Caso a campanha francesa não tenha sucesso, o tratado conectará 32 economias com um PIB conjunto de 22 trilhões de dólares e 718 milhões de habitantes. No caso do Brasil, o maior beneficiário será o agronegócio, mas também já se vislumbram oportunidades para a indústria manufatureira e os serviços. As próximas etapas incluem traduções para 24 idiomas e votações no Conselho e no Parlamento da União Europeia. O acordo inclui cooperação ambiental e política, além de novas oportunidades em compras governamentais e proteção de propriedade intelectual.
O longo processo de negociação, iniciado em 1999, enfrentou percalços, especialmente em relação ao setor agrícola. Apesar disso, o avanço é considerado um marco por analistas e representantes do setor produtivo. “O empreendedorismo brasileiro é um retrato da perseverança e da criatividade do País. Os pequenos negócios vão se beneficiar muito deste acordo”, afirmou Décio Lima, presidente do Sebrae. O mercado europeu, ressaltou, representa 19% das exportações de pequenos negócios brasileiros e que a nova parceria amplia esse potencial. O Sebrae, destaca Lima, desempenha papel importante na preparação das empresas para o mercado europeu. “Estamos oferecendo cursos, capacitações e suporte na adequação de produtos para que esses negócios tenham uma presença competitiva.”
O executivo cita a participação em eventos como o Web Summit Lisboa, que busca conectar empresários nacionais ao mercado da UE. Além disso, o Sebrae mantém iniciativas como a Casa Brasil, na capital portuguesa, criada para ser um ponto de apoio aos empreendedores interessados em internacionalização. “Existe uma carência por produtos diferenciados, onde os pequenos negócios têm grande potencial.” Setores como alimentos, bebidas, moda, móveis e tecnologia estão entre os mais promissores.
Segundo o economista Igor Lucena, os resultados para as pequenas e médias empresas devem ser percebidos ao longo do tempo. “À medida que houver uma expansão dos mercados consumidores, as companhias brasileiras terão mais acesso à Europa”, afirmou. Grandes corporações podem liderar inicialmente, acrescenta, mas as pequenas empresas devem beneficiar-se por meio de subcontratações e de novas oportunidades criadas pela integração econômica.
A Europa é o destino de 19% das exportações das pequenas empresas brasileiras
Lucena lembra o papel das federações e associações no processo: “Essas entidades podem atuar como pontes, viabilizando a entrada de pequenas empresas em um ambiente antes considerado inacessível”. O acordo, acredita o economista, oferece um caminho concreto para a internacionalização das companhias brasileiras.
Na reunião de cúpula do Mercosul em Montevidéu, o presidente Lula celebrou mais uma etapa superada rumo ao acordo. “O acordo que finalizamos hoje é bem diferente daquele anunciado em 2019. As condições que herdamos eram inaceitáveis. Foi preciso incorporar, ao acordo, temas de relevância para o Mercosul. Conseguimos preservar nossos interesses em compras governamentais, o que permite implementar políticas públicas em áreas como saúde, agricultura familiar, ciência e tecnologia.” O texto, prosseguiu, é “moderno e equilibrado”.
A parceria com a União Europeia sinaliza um compromisso com a abertura econômica e com práticas comerciais sustentáveis. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo aprovou a conclusão dessa etapa do acordo, avaliando que ele fortalecerá as relações comerciais e gerará novas oportunidades econômicas. O presidente do Sistema CNC–Sesc–Senac, José Roberto Tadros, afirmou que o tratado reflete o compromisso com o desenvolvimento sustentável, promovendo práticas que conciliam crescimento econômico e preservação ambiental. “Esse acordo abre novos horizontes para as nossas empresas, promovendo maior competitividade, acesso a mercados globais e oportunidades de negócios para os setores de bens, serviços e turismo”, concluiu.
A Confederação Nacional da Indústria considera o tratado benéfico para a diversificação das exportações da indústria brasileira. Segundo a entidade, o tratado fortalece a competitividade do Brasil em nível global, ampliando a base de parceiros comerciais. O presidente da CNI, Ricardo Alban, afirmou que o acordo cria oportunidades para agregar valor à pauta exportadora, contribuindo para o crescimento econômico do País. “Além de diversificar e ampliar a base de parceiros comerciais, elevando o acesso preferencial brasileiro ao mercado mundial de 8% para 37%, o acordo trará uma inserção internacional alinhada com a agenda de crescimento inclusivo e sustentável.”
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo também vê o acordo com bons olhos. Em nota, a entidade expressou satisfação com a conclusão das negociações entre os dois blocos, destacando que o momento é oportuno e garante aos integrantes do Mercosul um instrumento poderoso para lidar com as mudanças comerciais e geopolíticas em curso. Além de impulsionar o comércio, o acordo deve estimular o investimento produtivo de longo prazo. •
Publicado na edição n° 1341 de CartaCapital, em 18 de dezembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Cabe todo mundo’