No último mês de março, Jorge Glas, ex-vice-presidente do Equador, foi sequestrado da Embaixada do México pelas forças policiais do atual governo do empresário Daniel Noboa e levado a uma penitenciária de segurança máxima. A violência física, o desrespeito político a uma embaixada de país estrangeiro e a violação do direito internacional explicam o consequente rompimento das relações diplomáticas entre Equador e México.

Glas tem 54 anos, formou-se em Engenharia Elétrica e, desde a adolescência, é amigo de Rafael Correa. Em 2007, quando Correa tornou-se presidente da República, Glas ingressou no governo e ocupou, como ministro, a coordenação de setores estratégicos e, em seguida, a área das telecomunicações. Mais tarde foi eleito vice-presidente da República em novo mandato do amigo e permaneceu no cargo, quando se reelegeu na chapa de Lenin Moreno, em 2017.

Durante o segundo mandato de Correa, entre 2013 e 2017, Glas agiu para recuperar o controle estatal sobre setores considerados estratégicos, como fontes energéticas, água e hidrocarbonetos. A combinação de crescimento econômico, mudança na matriz energética e fortalecimento das petroleiras causou enorme reação por parte dos setores econômicos privados contrários aos controles estatais. Nesse momento, tem início um dos casos mais impressionantes de perseguição política que ocorridos na América Latina.

A partir de 2017, sobre Glas recai uma série de atos ilegais conduzida pelo sistema de justiça: falsas acusações de corrupção, provas forjadas, documentos não disponíveis para seus advogados sob a alegação de proteção de sigilo, testemunhos forjados e ausência do devido processo legal. No Brasil, conhecemos bem o caso, pois é muito semelhante ao do presidente Lula. Glas foi envolvido pelo sistema de justiça equatoriano no “Caso Odebrecht”, quando a empreiteira brasileira se viu acusada de distribuir propinas a funcionários públicos daquele país.

No fim daquele ano, o ex-vice-presidente foi condenado a seis anos de prisão, permanecendo detido até janeiro de 2023. Apesar do bom comportamento e do cumprimento de outras exigências legais, as regras no Equador de progressão da pena foram violadas e a Glas não foi concedido o regime aberto a que tinha direito. A Procuradoria-Geral chegou a ignorar e arquivar a documentação enviada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro comunicando que todas as provas utilizadas contra o político equatoriano haviam sido anuladas pelo fato de a delação premiada feita por funcionário da Odebrecht no Brasil não ter sido acompanhada por qualquer evidência.

Trata-se de um dos mais impressionantes casos de perseguição política

Poucos meses depois de sua libertação, e diante da renovação da força política do grupo do ex-vice-presidente, o sistema de justiça equatoriano reiniciou a perseguição judicial, chegando a utilizar, diante da total ausência de provas ou mesmo indícios, a extravagante tese de que os corruptos estariam sob a “influência psíquica” de ambos.

Correa optou pelo exílio na Bélgica, enquanto Glas pediu e obteve asilo político na Embaixada do México em Quito. Noboa negou-se, no entanto, a emitir o salvo-conduto necessário para ele deixar o país e, em seguida, determinou a invasão da embaixada mexicana.

Em 5 de março passado, por volta das 22 horas, a sede diplomática do México foi invadida por um grupo de elite da Polícia Nacional e das Forças Armadas do Equador e, em uma clara violação da Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático, de 1954 e da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, Glas foi sequestrado e conduzido a um presídio de segurança máxima. No mesmo dia, Manoel López Obrador, então presidente do México, anunciou o rompimento das relações diplomáticas com o Equador.

Desde então, o ex-vice-presidente tem sido submetido a tratamento cruel e desumano. Antes do início da perseguição, Glas fazia uso de três medicamentos. Atualmente, no Centro de Privação de Liberdade conhecido como La Roca, consome mais de 40 remédios, e sofre com várias enfermidades crônicas: espondilite anquilosante, hipertensão arterial, gastrite crônica e fibromialgia, além de severos transtornos mentais.

A defesa de Glas não consegue obter justiça no Equador, seja porque decisões judiciais favoráveis não são cumpridas, seja porque os tribunais legitimaram o sequestro, considerando-o não arbitrário. A luta por sua liberdade, atualmente, volta-se para o âmbito internacional. A Corte Interamericana de Direitos Humanos fez há poucos dias uma visita ao Centro de Detenção La Roca para verificar como as condições da prisão afetaram gravemente a saúde física e mental do detido. No continente americano, Argentina, Brasil, Colômbia, Cuba, Honduras, Uruguai e Venezuela condenaram a invasão da embaixada, invocaram o cumprimento da Convenção de Caracas e ressaltaram a violação da Convenção Americana sobre Asilo Diplomático e da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.

Por sua parte, a Organização dos Estados Americanos aprovou uma resolução na qual condena a invasão da embaixada mexicana, ao mesmo tempo que exige diálogo entre os dois países.


Professora associada da PUC do Rio de Janeiro.

Publicado na edição n° 1341 de CartaCapital, em 18 de dezembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Em perigo”

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Last Update: 12/12/2024