Patrimonialismo não é de esquerda!
por Jorge Alexandre Neves
Há alguns anos, um amigo, ex-orientando e hoje docente em uma IFES, me perguntou qual seria o problema de a esquerda agir de forma corporativa, visto que as demais correntes políticas também o fazem. Respondi que o problema estava no fato de que a esquerda tem compromissos com o universalismo e com o combate às desigualdades e, portanto, não pode promover uma prática particularista e que leva à promoção das desigualdades como é o caso do corporativismo. Hoje, ele concorda comigo!
Correntes de esquerda com práticas patrimonialistas, ou apoiando tais práticas, é algo ainda mais condenável. O patrimonialismo – prática condenável, que ocorre em todas regiões do globo, como mostra a consistente literatura atual sobre o fenômeno, ao contrário do que costumavam pensar os pesquisadores brasileiros que se debruçaram sobre o assunto, até a década de 1990 – é marcado pelo uso de recursos públicos de qualquer natureza para benefícios privados. É óbvio, pois, que trata-se de uma prática que colabora sobremaneira para a promoção e a reprodução das desigualdades. Logo, é muito lamentável que correntes de esquerda, em algum momento, se envolvam politicamente com tais práticas.
Exemplos de práticas patrimonialistas abundam em correntes políticas adversárias da esquerda. Em aula, gosto de mostrar que o uso dos próprios cargos na busca da promoção de interesses pessoais por parte do então juiz Sérgio Moro e dos procuradores federais guardiões das masmorras de Curitiba foi uma prática cristalinamente patrimonialista.
Outro exemplo que penso ser útil é o das concessões de licenças para canais de rádio e TV. Por que costumamos demandar, insistentemente, que se busque uma regulação mais rigorosa da mídia em geral e dessas concessões em particular? Porque trata-se de uma concessão pública! Portanto, um ente privado de qualquer natureza deve assumir responsabilidades de caráter coletivo quando é agraciado com uma concessão pública. Qualquer ator individual ou coletivo que busca evadir-se de tais responsabilidades estará, indubitavelmente, cometendo um ato patrimonialista! Simples assim.
Fiz a introdução acima para qualificar um problema recente que deveria ter ficado restrito ao âmbito totalmente local, mas que, infelizmente, foi nacionalizado, quando parlamentares do PSOL de diferentes unidades da federação (pelas quais tenho enorme consideração) decidiram, para minha grande decepção, apoiar publicamente – em redes sociais – uma condenável prática patrimonialista. Refiro-me à decisão dos membros da diretoria do Centro Acadêmico de Psicologia (CAPSI) da FAFICH-UFMG de não aceitar assinar – como feito por todas as demais entidades representativas de estudantes da Unidade – um Termo de Uso do espaço físico que ocupam. Um ato tipicamente patrimonialista e extremamente autoritário ocorreu, então, o espaço foi arrombado e segue mantido sob uso irregular.
O evento descrito acima se insere num problema clássico da análise social e política, qual seja, aquele sobre como se deve decidir conflitos de caráter público. De Hobbes a Marx, passando por muitos outros pensadores, este é um grande problema analítico e factual. Em um regime democrático, a resposta costuma ser o da busca de consensos coletivos através de procedimentos institucionais. Foi exatamente isso que ocorreu no caso em tela, a Congregação da Unidade deliberou sobre os procedimentos que deveriam ser seguidos, a partir de diretrizes definidas pelo Conselho Universitário. Nos corredores da instituição, abundam murmurinhos de membros da comunidade universitária, inclusive uma boa quantidade de estudantes, incomodados com a postura autoritária e patrimonialista do CAPSI/FAFICH/UFMG. Por que se acharam com o direito de privatizar de forma tão acintosa o espaço público? Meu palpite é o de que são autoritários, voluntariosos e mimados. Lamentável!
Espero ansiosamente que parlamentares do PSOL que apoiaram um ato tão equivocado revejam esse lamentável apoio público. Patrimonialismo não é de esquerda!
Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997. Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
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