A discussão sobre o fim da escala 6×1, com seis dias de trabalho e apenas um de descanso, ganhou destaque nas redes sociais, gerando uma mobilização digital como há muito não se via em torno de uma pauta trabalhista. No entanto, os desafios que o Brasil enfrenta para construir uma sociedade com mais bem-estar social e menos desigualdade vão além da questão da jornada, avaliaram especialistas na terceira rodada do fórum “Um Projeto de Brasil”, parte do ciclo de debates Diá­logos Capitais. Realizado na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo na sexta-feira 29, o evento também marcou a celebração dos 30 anos da revista CartaCapital.

O mercado de trabalho tem registrado alguns indicadores positivos. A taxa de desemprego no Brasil caiu para 6,2% no trimestre encerrado em outubro, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada pelo ­IBGE. É o índice mais baixo da série histórica, iniciada em 2012. O monitoramento reforça, por outro lado, a necessidade de entender melhor as condições vivenciadas pelos mais de 40 milhões de trabalhadores na informalidade, incluindo 14,4 milhões sem carteira assinada e os 25,7 milhões que trabalham por conta própria. “Não há como não nos indignarmos com o fato de um país tão rico não ser capaz de propiciar a mesma prosperidade para todos os brasileiros, a começar pela igualdade de oportunidades”, lamenta Josué Gomes, presidente da Fiesp.

Grande parte da mídia, ressaltou o empresário, dono da Coteminas, encampa a financeirização predominante no Brasil nas últimas três décadas, o que levou à estagnação do País. “Se tivéssemos crescido à média mundial, hoje tería­mos um PIB per capita superior ao dobro do que temos”, afirma Gomes. “Imagine o Brasil com um PIB de mais de 4 trilhões de dólares e com um PIB per capita acima de 20 mil dólares.” Para compreender melhor a observação do presidente da Fiesp, convém lembrar que o Brasil registrou, em 2023, um Produto Interno Bruto de 2,17 trilhões de dólares. Já o PIB per capita foi de pouco mais de 9 mil dólares, segundo o Banco Mundial.

Na avaliação de Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp, a desindustrialização é um dos principais fatores que explicam a ausência de um desenvolvimento econômico e social significativo nas últimas décadas. “Esse processo deixa sequelas: de inovação, de desenvolvimento tecnológico, de perda brutal de setores de média e alta tecnologia.”

Refletir sobre como o Brasil pode estabelecer um novo pacto de desenvolvimento, justo e duradouro, foi o foco da primeira mesa de debates. Entre os desafios prioritários estão a redução da desigualdade, a geração de mais empregos e renda, a atração de investimentos, o aumento da produtividade e a adaptação da economia às mudanças climáticas.

Economista-chefe da Associação Brasileira de Desenvolvimento, a ­ABDE, ­Diógenes Breda avalia que os bancos públicos de fomento voltaram a ganhar importância com o fracasso da ideia de que o “mercado” resolveria por conta própria os problemas econômicos e com uma nova era de disputa tecnológica no xadrez geopolítico, a partir do avanço da China.

Segundo Breda, o Sistema Nacional de Fomento tem sido direcionado à transição energética justa, passo importante para que o Brasil não seja um mero exportador de novas matérias-primas no século XXI. Ele defendeu também elevar a capacidade de financiamento dos bancos públicos na concessão de crédito aos municípios, com o objetivo de turbinar o financiamento de projetos de adaptação às mudanças climáticas.

“Não há como não nos indignarmos com o fato de um país tão rico não ser capaz de propiciar prosperidade para todos”, lamenta o presidente da Fiesp

O País tem uma grande oportunidade de prosperar com a indústria verde, observa José Ricardo Sasseron, vice-presidente de Negócios, Governo e Sustentabilidade Empresarial do Banco do Brasil. Segundo o executivo, o BB pode tornar-se “um grande parceiro” no financiamento de projetos dessa natureza, alinhados ao plano Nova Indústria Brasil, lançado pelo governo Lula em janeiro. “Enquanto estamos à frente na preservação ambiental, outros países e instituições financeiras enfrentam a necessidade de cumprir as exigências globais para realizar a transição energética.”

Pavimentar o caminho para reduzir as desigualdades sociais, enquanto o Estado deve alocar recursos substanciais para a transição para uma economia de baixo carbono, passa, necessariamente, por repensar o futuro do trabalho. Esse foi o objetivo da segunda e última mesa do evento na Fiesp, realizada no auge do acalorado movimento pelo fim da jornada 6×1.

Os especialistas convidados por ­CartaCapital apontam tarefas complementares. Francisco Macena da Silva, secretário-executivo do Ministério do Trabalho e Emprego, mencionou a meta de gerar “trabalho decente” para 110 milhões de brasileiros na próxima década, com a participação de pelo menos 70% da população em idade ativa no mercado formal. Entre os potenciais obstáculos, destaca Macena, está o fato de muitos jovens não desejarem mais um emprego com carteira assinada, visto como sinônimo de baixos salários em diversos setores.

Para Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, a eleição municipal em São Paulo expôs precisamente o desafio de entender o significado de “prosperidade” para a população. Ele destaca que o mercado formal não será mais suficiente para o cidadão que superou a miséria. “O maior sonho do brasileiro hoje não é ser funcionário público ou ter um emprego com carteira assinada. É ter o próprio negócio”, afirmou Meirelles. A conjuntura, prossegue o especialista, exige evitar a insinuação de que os cidadãos fora do mercado formal estariam errados. “Esse cuidado será fundamental para fazer com que esses brasileiros voltem a sonhar em melhorar de vida. É isso que vai restabelecer uma perspectiva de futuro, em que as melhorias econômicas, de fato, sejam percebidas pela população.”

Na mesma linha, o deputado federal Lucas Ramos, filiado ao PSB de Pernambuco e presidente da Comissão de Trabalho da Câmara, afirmou ser preciso respeitar a vontade dos trabalhadores que almejam ser empreendedores. Outro dever é reconhecer a explosão do desenvolvimento tecnológico, com a necessidade de ampliar o acesso à conectividade.

Mundo do trabalho. Miguel Torres, Lucas Ramos, Francisco Macena da Silva e Renato Meirelles participaram da terceira mesa, mediada por Thaís Reis Oliveira, editora executiva do site de CartaCapital – Imagem: Priscila Furuli

“Metade da força de trabalho do País está na informalidade. Muitas vezes não é por falta de conhecimento, mas porque a pessoa prefere estar nesse contexto”, observa o parlamentar. “Essa parcela se ressente do excesso de rigor do fiscal do trabalho em relação ao seu micronegócio, assim como dos elevados juros cobrados pelos bancos para liberar crédito.” Ainda assim, argumenta Ramos, o Congresso Nacional precisa enfrentar a discussão sobre o fim da jornada 6×1. O deputado considera dispensável uma Proposta de Emenda à Constituição, como a apresentada pela colega Erika Hilton, do PSOL de São Paulo, e sustenta que um projeto de lei complementar seria suficiente, pois sua aprovação seria menos complexa.

Miguel Torres, presidente da Força Sindical, diz não ser viável lutar contra o avanço das tecnologias, como a Inteligência Artificial, mas enfatiza que é imprescindível garantir que os trabalhadores tenham acesso a uma formação, qualificação e educação básica voltadas para esse novo cenário. Como exemplo, ele cita a regulamentação dos aplicativos de intermediação de mão de obra. Um projeto do governo Lula sobre o tema teve repercussão negativa e não prosperou no Legislativo. “Vemos muitos entregadores que morrem ou sofrem acidentes com sequelas para o resto da vida. E quem paga isso? Somos nós”, destacou o líder sindical. “A empresa, dona do aplicativo que intermediou a contratação, não se responsabiliza por nada.”

Com o evento, CartaCapital celebrou 30 anos de existência e renovou seu compromisso com a democracia, o jornalismo de qualidade e o futuro do País. “Somos uma publicação a favor da indústria, da geração de empregos de qualidade, do esforço de agregar valor aos nossos esforços”, disse Manuela Carta, publisher de ­CartaCapital. “O combate às mudanças climáticas nos coloca diante de desafios e abre novas oportunidades. O Brasil possui vantagens competitivas na disputa pela liderança da transição ecológica justa e sustentável, e a indústria é central nessa transformação.”

O ciclo de debates “Um projeto de Brasil” conta com o patrocínio da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais Eletrônicos ­(Abragames), da Agência Brasileira de Promoção de ­Exportações e Investimentos ­(ApexBrasil), do Banco do Brasil, da ­Petrobras e do Conselho Nacional do Sesi. •

Publicado na edição n° 1340 de CartaCapital, em 11 de dezembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Produção e emprego ‘

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Last Update: 05/12/2024