Faltando menos de dois meses para encerrar o prazo de registro das candidaturas, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, angustia-se com a concorrência que se anuncia em seu próprio campo político. Filiado ao MDB, o alcaide disputará a reeleição com o apoio de Jair Bolsonaro. Para ter o padrinho em seu palanque, topou ceder o cargo de vice ao seu xará, Ricardo Mello Araújo, ex-comandante da Rota, a violenta tropa de elite da Polícia Militar paulista. O coronel tem pouco a agregar na campanha, mas o parceiro de chapa foi uma exigência do ex-presidente, que no passado confiou o comando da Ceagesp ao ex-PM. Mello Araújo caiu nas graças do antigo chefe ao transformar o terceiro maior centro atacadista de alimentos da América Latina em um cabidão de empregos para bolsonaristas, incluindo 23 policiais da ativa ou da reserva.

Ter um vice com essas credenciais não ajuda Nunes a conquistar votos de eleitores moderados, mas este parecia ser um preço aceitável para garantir o apoio de Bolsonaro. O custo aumentou, porém, após José Luís Datena, apresentador de um popular programa policialesco na tevê, filiar-se ao PSDB na quinta-feira 13 e apresentar-se como candidato a prefeito. “Dessa vez, vou até o fim”, prometeu o neotucano, com longo histórico de recuos na política. Datena tem potencial de crescimento nas pesquisas, sobretudo junto ao eleitorado de centro-direita, exatamente onde Nunes busca avançar, se já conta com o apoio dos bolsonaristas. Mas isso tampouco é uma garantia, sobretudo após o influencer Pablo Marçal também lançar sua pré-candidatura pelo nanico PRTB.

Há quem duvide da real disposição de Datena para abrir mão do salário de sete dígitos na televisão para entrar na disputa. Sua confusa trajetória política contribui para aumentar as suspeitas. Em 2022, chegou a ser cotado como vice de Ciro Gomes na corrida presidencial. Depois, participou de encontros com Jair Bolsonaro. No ano passado, cogitou unir forças com Guilherme Boulos, pré-candidato de PSOL à prefeitura de São Paulo. “Se você peitar o PT e nós sairmos candidatos, se você falar para o Lula: ‘Eu quero o Datena como vice e sinto muito’, nós podemos sair”, afirmou o apresentador, durante um jantar na casa do deputado psolista. Após um vídeo do encontro vazar, desconversou e abortou o plano.

A despeito das idas e vindas, Datena levará a termo a candidatura, aposta o ex-senador tucano José Aníbal. “Até entendo que outras vezes aconteceu diferente. Mas agora ele vai, é o momento de encarar esse desafio.” Ainda sem um vice, Aníbal admite que o partido “chegou atrasado” nesse pleito, quando a maior parte das composições estava definida. Avalia, porém, que as alianças são mais importantes para ampliar o tempo de propaganda eleitoral na tevê. “O Datena não precisa disso.”

A candidatura do apresentador pode colocar por água abaixo a ideia inicial da deputada Tabata Amaral, do PSB, de tê-lo como companheiro de chapa. O coordenador político de sua pré-campanha, Orlando Faria, sustenta que, por trás das cortinas, ainda há negociações em curso para que o apresentador desista do voo solo. “Apesar de eles terem lançado o Datena, ainda estamos conversando. O PSDB é o partido que mais tem pontos em comum com a agenda da Tabata. Essa composição daria amplitude para disputar um eleitorado mais diverso.”

Segundo a mais recente pesquisa Atlas/CNN, divulgada na quarta-feira 19, Boulos segue na liderança da corrida para a prefeitura paulistana, com 35,7% das intenções de voto. Em busca de reeleição, Nunes parece já sofrer os impactos da fragmentação de candidaturas à direita. Se em outras sondagens aparecia tecnicamente empatado com Boulos, o alcaide agora figura mais de 10 pontos atrás, com 23,4%. Marçal já desponta com impressionantes 12,6%. Ainda no campo da direita, o deputado Kim Kataguiri, do União Brasil, está com 6,9% e o estreante Datena morde 5,8% do eleitorado paulistano. Um tiquinho mais à esquerda, Tabata agora está na quarta colocação, com 10,7%.

Cria do MBL, Kataguiri faz campanha acanhada, pois o seu partido ainda não decidiu se lançará candidatura própria ou se abraçará Nunes. O vereador Adilson Amadeu, do União Brasil, alega que, até a convenção de 20 de julho, nem Milton Leite, principal liderança da legenda no estado, arriscaria dizer se Kataguiri será ou não candidato. “Não garanto, mas acredito que vamos de Nunes desde o começo.”

O apresentador tem grande potencial para crescer nas pesquisas, enquanto o influencer parece animar mais os eleitores bolsonaristas

Na segunda-feira 18, Leite deu a entender que o maior empecilho para selar o acordo com o prefeito de largada é justamente o nome escolhido para ser vice de Nunes. “Respeito o Bolsonaro, mas o União vê outros nomes dentro do próprio PL que seriam bem-vindos, como (os vereadores) Rute Costa e Gilberto Nascimento Júnior”, afirmou à Folha de S.Paulo.

Com mais de 20 anos de experiência política, Amadeu identifica em Marçal uma ameaça. “Vai dar trabalho, o cenário já começou a mudar”, alerta. Neófito na política, o influencer surfa com tranquilidade nas redes sociais. Contabiliza mais de 3 milhões de seguidores no YouTube e 11 milhões no Instagram. Desse total, ao menos 1 milhão de fãs estão concentrados na capital paulista, estima o presidente do PRTB, Leonardo Avalanche. “Podemos impactar até 3 milhões de pessoas nos próximos 40 dias”, diz. A dificuldade têm sido as alianças. “Às vezes, a gente garante o apoio da pessoa, mas ela tem as amarras do partido. Estamos tentando trabalhar por fora dos acordões.”

Por ora, Bolsonaro tem orientado aliados a manter distância do influencer, mas Avalanche ainda acredita ser possível convencer o ex-presidente a reavaliar sua aposta nas eleições paulistanas, ou ao menos angariar o apoio de bolsonaristas de peso. “Pablo é o único candidato da direita mesmo, teria só Kim como concorrente.”

Na avaliação da cientista política Vera Chaia, professora da PUC de São Paulo, o cenário é bastante nebuloso para Nunes. “O prefeito tem o controle da máquina pública, mas ainda é desconhecido de boa parte do eleitorado.” O colega Claudio Couto, da FGV, concorda com a avaliação: “É impressionante, mas São Paulo tem um prefeito desconhecido. Ele tem feito muitas obras agora, no final do mandato, mas isso não tem sido suficiente para se consolidar”. Com a fragmentação das candidaturas de direita, a situação ficou ainda mais adversa, avalia Couto. “O Datena tem esse programa policialesco e o apelo da temática da segurança pública, o Marçal tem demonstrado um grande potencial, enquanto o Nunes é um bolsonarista envergonhado. Acredito que tudo isso acaba facilitando para o Boulos e para a Tabata, que se posicionam em outro campo político.” •

Publicado na edição n° 1316 de CartaCapital, em 26 de junho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Direita pulverizada’

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Última Atualização: 01/07/2024