Em seus dois primeiros mandatos, L logrou a ampliação das universidades federais, reformulou a estratégia de formação profissional no âmbito dos Institutos Federais de Educação Tecnológica e possibilitou o ingresso por cotas, transformando o perfil socioeconômico e racial das instituições federais. Ao mesmo tempo, isentou as instituições educacionais com fins lucrativos de tributos, ProUni, criando as bases para um inédito deslocamento de verbas públicas para corporações, conformando o maior processo de mercantilização da educação do planeta.

A harmonia entre o crescimento das instituições públicas e das instituições mercantis alavancadas por verbas públicas ficou evidenciada com o aprofundamento da crise em 2014, que resultou no golpe de 2016. No decênio 2013-2023, as universidades federais perderam mais de 100 bilhões de reais. Os recursos alocados no Fies e no ProUni explodiram no período, somando cerca de 140 bilhões. O custo implícito do Fies deflagrou uma profunda crise. Desde então, as corporações investiram na expansão vertiginosa dos cursos a distância, de modo que, atualmente, 65% dos novos estudantes do ensino superior ingressam nessa modalidade.

Em 2023, L retornou ao governo, apoiado ativamente pela quase totalidade da esquerda, porém no escopo de uma frente amplíssima na qual a esquerda ficou dissolvida. O contexto de seu terceiro mandato é muito distinto. A capacidade convocatória das esquerdas está enfraquecida, as commodities não possuem igual taxa de retorno, a extrema-direita tornou-se uma força massiva e controla o Parlamento, e o bloco no poder encontra-se em uma situação confortável, exigindo, permanentemente, o aprofundamento da austeridade. Neste panorama, a política educacional não pode reproduzir as práticas dos mandatos anteriores, nas quais coexistiram proposições progressistas com a hegemonia das organizações do capital, tanto na educação básica quanto na educação superior.

Como apontado, os IFEs e, especialmente, as universidades sofreram sucessivos cortes de verbas no último decênio, acentuando a degradação da infraestrutura. Centenas de obras ficaram inacabadas e a assistência estudantil não logrou escala compatível com a mudança no perfil dos estudantes. O maior desafio segue a ser a interrupção dos repasses do fundo público às corporações educacionais-financeiras. A depleção de recursos públicos foi superior a 150 bilhões de reais na década, justamente a ordem de grandeza adicional indispensável para requalificar as instituições federais.

As ações educacionais do governo L estão aprisionadas pela “pequena política”. Isso não é novidade no Brasil. Contudo, no contexto de avanço da extrema-direita, danifica a arte política comprometida com a alteração da correlação de forças drasticamente negativa e que vem desidratando a capacidade de iniciativa do governo. A educação pública é imprescindível para o enfrentamento das ideologias e disposições de pensamento fascistizantes que disputam a formação do senso comum da juventude brasileira.

O desalento está disseminado entre os estudantes de todas as faixas. Não há solução nos marcos do Regime Fiscal Sustentável. O sistema educacional interage com cerca de 43 milhões de indivíduos. A universalização exige a incorporação de mais 25 milhões de estudantes na educação básica e superior. Está em curso uma tendência de queda vertiginosa de estudantes que fazem o Enem (6 milhões em 2016 e 2,7 milhões, em 2023), de elevada taxa de evasão no ensino superior público (acima de 40%), e de forte queda do número de estudantes na pós-graduação (em média, 12%).

Em pronunciamento unilateral aos reitores, o presidente, assessorado pela tecnocracia, renunciou a uma de suas melhores qualidades, a busca ativa de consensos. Ignorou a possibilidade de restabelecer o diálogo com parte de sua base social, que tem revelado imensa disposição de construir um acordo firmado pelos sindicatos legítimos, preferindo firmar um acordo ilegítimo com uma entidade pelega. Em sua exposição, reduziu a formação dos estudantes às demandas utilitaristas do mercado, como se a educação fosse o fator determinante para a existência de postos de trabalho dignos, e anunciou um método preocupante de expansão de novos campi à revelia das instituições, como a instauração do campus de Jequié, medida que surpreendeu a UFBA.

A ordem de grandeza dos recursos para a educação pública precisa ser decididamente ampliada e o objetivo de alcançar 10% do PIB não pode ser novamente postergado. O MEC não estará à altura dos desafios históricos sob o comando de aparelhos privados de hegemonia do capital, como Lemann e Todos pela Educação, e a formação da grande massa da juventude por organizações mercantis, especialmente em cursos a distância, ofertada por sociedades anônimas sob controle de fundos de investimento e empresas de private equity, em um apartheid científico, tecnológico e cultural. A possibilidade de desconstitucionalização das verbas para a educação e a saúde ou de nova desvinculação de receitas, corolários do RFS, não ocultada nas projeções e estudos governamentais, coroaria a hegemonia da austeridade e, correlatamente, de desencontro com as expectativas da educação pública.

Os professores, estudantes e técnicos administrativos precisam ser apoiados em seu protagonismo. Objetivamente, o governo L deve erigir um novo ponto de partida para sua política educacional.


*Professor titular da Faculdade de Educação da UFRJ. Pesquisador do CNPq e Cientista de Nosso Estado (Faperj). Foi reitor da UFRJ.

Publicado na edição n° 1316 de CartaCapital, em 26 de junho de 2024.

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Última Atualização: 01/07/2024