“E no meio de um inverno aprendi que havia em mim um verão invencível” – Albert Camus

A extrema-direita tenta manter a narrativa de que o golpe de Estado planejado por 37 pessoas, inclusive o ex-presidente e vários de seus generais, não se configurou crime, porque não foi executado.

Deve ficar claro que os golpistas não foram às últimas consequências, graças às forças democráticas, que se interpuseram, tanto no Brasil quanto no exterior.

Com efeito, a sociedade civil brasileira, ciente da tradição golpista e terrorista da extrema-direita, buscou rapidamente que as eleições fossem chanceladas internacionalmente, de sorte a inibir eventuais intentos golpistas, isolando-os previamente.

Esse trabalho foi iniciado meses antes do pleito presidencial, de forma a dirimir eventual tentativa de deslegitimá-lo e, assim, fornecer aos terroristas um pretexto para não respeitarem seu resultado.

Não houve, portanto, qualquer mérito dos golpistas, assassinos em potencial.

Todo o contrário, só foram dissuadidos porque a sociedade brasileira, da qual eles são mera excrescência, foi mais forte, garantindo que a escolha democrática da maioria fosse respeitada.

Isso, num cenário extremamente adverso, em que o neocolonialismo só tem aceito os resultados eleitorais favoráveis a ele.

Precisamente, na semana passada, a oposição à União Europeia venceu as eleições na Geórgia, mas, por não ser esse o resultado esperado pelos países europeus, aqueles não reconheceram o resultado do pleito. Chegaram ao absurdo de querer que seja refeito, na esperança de que seus aliados (leia-se vassalos) venham a ser os preferidos dos eleitores georgianos.

Vivemos tempos de guerra militar e cultural, em que a verdade é manipulada, conforme o interesse dos neocolonizadores e lacaios locais — as chamadas oligarquias nacionais, que, de nacional, nada têm.

Por exemplo, alguém ouviu dizer que o acordo de paz entre Ruanda e a República Democrática do Congo, assinado na semana passada, foi exitosamente intermediado pela diplomacia angolana? Obviamente, não, porque divulgar essa informação que só enaltece a diplomacia africana não interessa às agências de notícias internacionais e, portanto, não deve receber atenção delas e das oito famílias donas da grande imprensa local.

Nesse sentido, importa recordar que não pode haver colonialismo sem racismo. São duas faces da mesma moeda.

De fato, o racismo está na própria base do colonialismo, constituindo a justificativa última da exploração neocolonial.

Tampouco repercutiu o Chade ter anunciado, na semana passada, a expulsão das tropas francesas estacionadas no país há mais de um século, ininterruptamente.

A essa expulsão, seguiu-se o anúncio do novo presidente do Senegal de que fará o mesmo, como recentemente já fizeram os do Mali, Burkina Faso e Níger.

Na verdade, vale a pena avaliar os ganhos, ainda que a grosso modo, que as potências coloniais auferem no explorado Sul Global. A título de exemplo, um quarto dos lucros totais do Grupo Carrefour provém do Brasil, o que demonstra o interesse dele em manter este mercado, mas também o nível de oligopolização, de concentração do varejo de alimentos no País.

A propósito, vale recordar que o centro da inflação no Brasil (assim como na maioria dos países) são os preços dos alimentos no varejo, não sendo de estranhar que isso ocorra em uma situação de tanta concentração da distribuição.

Com efeito, como pode subsistir a democracia, quando a plutocracia, o governo dos ricos, da oligarquia, é preponderante?

Não é isso que se vê nos Estados Unidos? As últimas eleições presidenciais no país não deixaram isso claro? O presidente eleito não é ele mesmo um plutocrata sem compromisso com a democracia?

Por outro lado, que controle têm as cidadanias globais sobre políticas públicas, aplicadas pelos respectivos governos? Por exemplo, sobre a política externa.

Mesmo no Brasil, com um governo progressista, não estamos na iminência de ver um péssimo acordo para o País ser assinado entre o Mercosul e a União Europeia?

Um acordo esse que não interessa sequer à França, mas praticamente apenas à decadente indústria alemã, tecnologicamente defasada e, por isso, necessitada de um mercado cativo para chamar de seu.

Contra essa assinatura, pronunciaram-se o Parlamento francês e as representações de agricultores, que cercaram a Comissão Europeia em Bruxelas.

Entretanto, não devemos nos retrair, pois como lembrou Valter Hugo Mãe em Deus na Escuridão (editora Globo): “…o futuro é uma riqueza universal”.

Temos de lutar por políticas públicas participativas, que permitam à população, principalmente aquela mais marginalizada, ter acesso à informação, para poder discernir corretamente sobre o futuro dos seus e do País, com pertencimento de classe, gênero, raça, orientação sexual etc.

No mesmo belíssimo livro, o autor português aprofunda a reflexão narrativa: “A sua vida justificava-se por aquelas conversas. Justificava-se. Significava que se tornava justa. E a justiça trazia-lhe tudo. Sobretudo a felicidade”.

Como a cultura nos redime! Que sábias palavras podem vir de um contexto metropolitano, de uma ex-metrópole colonial que tanto nos sugou. Nunca generalizemos: os indivíduos não são responsáveis pelos crimes de seus compatriotas, ontem como hoje.

Hugo Mãe ainda vai além e define a própria santidade, para nós, leigos, que apenas intuímos que as nossas diferenças não são defeitos ou pobreza, mas riqueza unicamente: “Deitadas à morte pelo desgosto de não serem comuns, quando nenhum santo se define pelo comum”.

Agradecidos por tantos e profundos ensinamentos, só nos resta concluir com ele: “…quem é grato é sempre feliz”.

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Last Update: 02/12/2024