‘Todas as tentativas de tomada do poder na história do Brasil envolveram militares’, diz Maria Rodrigues

Por Luana Silva

A investigação da Polícia Federal (PF) que desmascarou o plano de golpe de Estado no país reacendeu o debate na sociedade sobre a participação das Forças Armadas brasileiras em eventos golpistas.

Entre os 37 indiciados pela PF por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, 25 são militares. A lista inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Valdemar Costa Neto.

Para entender sobre o cenário que se abre após a investigação, o histórico da participação militar em tentativas de golpes no Brasil, as disputas internas do Exército e os desafios para a transformação da política de defesa do país, conversamos com Maria Rodrigues, cientista social, com mestrado em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorado em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas.

“O golpe é só o momento mais espetacular da participação política das Forças Armadas. Tem que olhar e mexer nas continuidades. Entram governos de esquerda e de direita e os militares continuam lá”, chama a atenção.

Leia um trecho da entrevista:

Brasil de Fato MG: Os militares têm um histórico golpista no Brasil? 

Maria Rodrigues: O golpe é só o momento mais espetacular da participação política das Forças Armadas. Quando o golpe acontece, ele pode dar certo ou pode dar errado, tanto faz. Mas ele só acontece porque a participação dos militares na política foi consentida pelo poder civil.

Vejamos um exemplo básico, a chantagem: “eu só vou topar essa missão de operação de Garantia da Lei da Ordem se vocês aprovarem o excludente de licitude. Eu só vou ser julgado por outros militares”. Isso é o quê? Isso é chantagem, isso é barganha. É questionar o poder político para que as forças militares tenham que ser empregadas.

Então, o golpe é só um momento extraordinário. Não adianta a gente enfrentar um golpe olhando para um momento extraordinário. Tem que olhar para essas continuidades. E ninguém mexeu nessas continuidades ainda. Entrou um governo de esquerda, entrou um governo de direita, saiu um governo de esquerda, saiu um governado de direita, e as Forças Armadas estavam lá, como elas sempre estiveram.

Uma segunda dimensão é que essa ideia de anistia é equivocada. Nem sempre os golpes “deram em pizza”. Eles só acabam em pizza quando eles são feitos por motivações à direita no espectro político e coordenados pelas altas patentes. Quando as insurreições militares foram à esquerda, nós vimos punições duríssimas. Não aconteceu anistia. Até hoje, a Justiça Militar é extremamente punitiva quando se olha para as baixas patentes. Só “dá em pizza” quando você é de direita e quando você é patente alta.

Agora, com relação ao histórico, os militares são o aparato coercitivo do Estado e não é possível dar um golpe sem militares. Todas as tentativas de tomada do poder na história do Brasil envolveram militares. Mas, por outro lado, militares sozinhos não dão golpes. Militares necessariamente constroem alianças ou com a elite civil ou com a elite de outros estados nacionais, no caso do Brasil, principalmente com os Estados Unidos. Nunca é uma coisa exclusiva do segmento militar.

Militares necessariamente constroem alianças ou com a elite civil ou com a elite de outros estados nacionais, no caso do Brasil, principalmente com os Estados Unidos. Nunca é uma coisa exclusiva do segmento militar.

Qual seria o cenário se o golpe tivesse se efetivado? 

Golpe é igual guerra. Você sabe como começa, mas você não sabe como termina. É muito difícil planejar um cenário. Tem um aspecto que eu chamaria a atenção: nos documentos, é super dissonante a dimensão de como seria a reação ao golpe.

Você vai ver declarações de militares projetando uma guerra civil. E você vai ter declarações de militares falando que não ia acontecer rigorosamente nada, só um funeral bonito.

Então, é impossível projetar o que teria acontecido “se tivesse dado certo”. Eles projetaram a instalação de um gabinete de crise com diferentes ramos. Eles próprios projetaram o ramo que ia conversar com o Judiciário, o ramo que ia conversar com com o Legislativo, o ramo que é responsável pelas relações com a imprensa e o que é responsável pela dinâmica internacional.

Mas quem ia pagar essa conta não está no documento. Quem de fato estava conversando com os financiadores não está no documento, mas eles projetaram a instalação do gabinete de crise bem completo.

Pelo o que eu estou observando, a tendência é de que seria um funeral bonito. Porque o comportamento da esquerda está sendo “por a cerveja para gelar”. A punição do Bolsonaro não vai ser jurídica, vai ser política.

Ele é um quadro político que teve 58 milhões de votos. A gente acabou de sair de uma eleição municipal em que a esquerda foi derrotada. O Trump acabou de ser eleito nos Estados Unidos. Estou brincando com o povo que está colocando cerveja para gelar porque ela vai empedrar. Não é assim que funciona a luta política, muito menos contra o fascismo.

E por que você acredita que o golpe não foi adiante?

A minha hipótese é de que deu errado porque não havia consenso dentro do Alto Comando das Forças Armadas e também porque o Bolsonaro não assumiu a responsabilidade. Tem uma dimensão institucional, mas sabe aquela coisa do “papel do indivíduo na história”? Normalmente, é uma pessoa que vai puxar as coisas e a gente não viu isso no Brasil em momento nenhum.

Pelo contrário, os nossos militares fazem de tudo para se desvincular das coisas que aconteceram.

Acompanhe a íntegra da entrevista no .

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Last Update: 02/12/2024