“Realizar” foi escolhida a palavra do ano pelo Dicionário Cambridge. Um dos editores explica que o termo refere-se a “usar métodos como visualização e afirmação para imaginar a conquista de algo desejado, acreditando que isso torna o objetivo mais provável”. Contudo, muito antes de o conceito ganhar destaque no Ocidente secularizado, as comunidades pentecostais já o haviam internalizado, adaptado e vivido como força social.
Para os pentecostais, “realizar” é uma prática cotidiana enraizada na oração fervorosa, nos jejuns que conectam o corpo ao transcendente e na visualização da intervenção divina em todas as áreas da vida. Essas realizações vão além do âmbito pessoal, alcançando transformações coletivas e espirituais, nutrindo a crença de que o impossível pode ser concretizado pela fé.
Milagres e testemunhos ocupam posição central como motores de um ambiente de constante expectativa nos pentecostalismos, especialmente na América Latina. Relatos de curas impossíveis, libertações espirituais e transformações de vida são narrados nas igrejas com fervor, tornando o transcendente palpável e real. Nesses contextos, o milagre é a realização concreta de um Deus ativo, validando a fé e transformando o sobrenatural em experiência cotidiana.
Os cultos pentecostais, estruturados em torno dessa expectativa, são espaços de potencial infinito, onde a transcendência pode intervir a qualquer momento, mudando destinos. Os testemunhos moldam a imaginação coletiva da comunidade, instaurando uma dinâmica de reciprocidade espiritual: se Deus realizou na vida de um, certamente fará na de outro. E por que não na minha? O culto se torna, assim, uma arena onde o extraordinário supera o ordinário.
A realização pentecostal fortalece a autoestima e a resiliência dos fiéis, oferecendo uma estrutura para transformar sofrimento e adversidade em redenção. No centro dessa experiência está a ideia de que qualquer indivíduo, independentemente de sua condição social, econômica ou histórica, pode ser canal da realização divina. Isso subverte narrativas de exclusão, conferindo aos fiéis um senso de valor pessoal e pertencimento. Nas comunidades pentecostais, histórias de superação são celebradas, criando uma cultura de resiliência coletiva.
No pentecostalismo, “realizar-se” dinamiza a prática religiosa. Nenhum culto é igual ao outro. Fala-se em línguas, caminha-se pelo templo, profetiza-se com fervor, prega-se com intensidade, canta-se com paixão. Essa vivacidade parte de uma liturgia que, paradoxalmente, celebra a quebra de si mesma. É a abertura ao inesperado e ao indomável. A realização, coletiva por natureza, potencializa a fé e catalisa a expansão do movimento. Essa característica faz do pentecostalismo a vertente mais vibrante e expansiva do universo evangélico, sustentando sua força gravitacional e atraindo pessoas de todos os contextos.
O pentecostalismo é também um espaço de subversão, oferecendo às pessoas historicamente marginalizadas uma plataforma para manifestarem sua voz. Em um país onde, segundo o IBGE, a maioria dos pentecostais vem das camadas mais pobres e menos escolarizadas, o movimento apresenta uma contranarrativa à exclusão religiosa e social. No culto, os silenciados em outras esferas encontram liberdade de expressão. Aqui, “realizar” ultrapassa o campo religioso: torna-se ato político, grito de resistência e afirmação de dignidade. O altar pentecostal é acessível, rompendo hierarquias tradicionais e legitimando como protagonistas aqueles relegados à invisibilidade em outros espaços.
Nessa democratização radical da experiência religiosa, o pentecostalismo subverte as lógicas de poder, permitindo que quem tem menor acesso a capital econômico e educacional transcenda limitações estruturais pela fé. Enquanto o Dicionário Cambridge celebra tardiamente o poder da “realização”, as igrejas pentecostais já conheciam e viviam essa prática. Se Cambridge a enxerga como um fenômeno contemporâneo, os pentecostais, com sua vivência histórica e cotidiana, mostram que essa essência vai além da espiritualidade, redefinindo o lugar de milhões no mundo.
E talvez seja por isso que tantos lobos queiram pastorear ovelhas.