O pronunciamento de Haddad e o insustentável peso do arcabouço fiscal
por Leonardo de Souza
Se o regime político do Brasil fosse o parlamentarismo, o chefe de Estado, diante do resultado das eleições municipais, solicitaria um voto de confiança ou dissolveria o Congresso e convocaria novas eleições. Essa é a dimensão da crise – estamos diante de um governo combalido. Ele segue em corda bamba, ora caindo à direita, ora à esquerda – de um lado a pressão por aprofundar a perspectiva neoliberal/fiscalista e de outro a tentativa de se reerguer no apoio popular.
O resultado das urnas foi um cavalo de pau no PT. A proposta de isenção do imposto de renda até a faixa de R$ 5 mil, promessa de campanha que até agora estava engavetada, é uma forma de se recompor com uma base eleitoral que não votou no partido. O carimbo eleitoral da proposta é tal que entrará em vigor somente em 2026, ano de eleição.
Dado que não vigora o parlamentarismo no Brasil, o presidente Lula determinou ao seu subordinado Fernando Haddad, Ministro da Fazenda, realizar um pronunciamento à nação em cadeia de rádio e televisão na noite de 27 de novembro de 2024, tentando conjugar os apertos nas contas públicas com a implementação de uma necessidade popular de reajuste da tabela do imposto de renda. Quando lembramos que Haddad é um servidor do governo, desejamos ressaltar que não existe uma política do Lula presidente e uma do ministro. Há um governo e uma só política. Se coerente, podemos indagar.
Na manhã seguinte, dia 28, em entrevista coletiva, o ministro Haddad detalhou alguns itens propostos:
- Salário-Mínimo terá reajuste de acordo com a banda do arcabouço fiscal, piso de 0,6 e teto de 2,5%;
- Benefício de Prestação Continuada (BPC) será auditado;
- Abano salarial gradualmente reduzido para 1,5 salário-mínimo;
- Bolsa Família biometria e recadastramento periódico;
- Emendas Parlamentares destinarão metade do valor para saúde;
- Forças Armadas terá fim da morte ficta (transferência de pensão aos familiares quando punidos) e idade mínima para ida a reserva;
- Supersalários serão rediscutidos;
- Fundeb incorpora investimentos na expansão das escolas de ensino integral e inclusão de programa “Pé de Meia” no orçamento do MEC;
- Vale Gás será incluído no marco do arcabouço fiscal;
- Subsídios e subvenções serão rediscutidos;
- Desvinculação de Receitas da União (DRU) prorrogada até 2030.
Algumas medidas poderão ser executadas de imediato, pois o governo possui os meios administrativos necessários. Outras demandam negociação no Congresso Nacional. Aí é imprevisível saber o que pode ser aprovado ou rejeitado.
A situação resulta do fato de que todos, tanto mercado como analistas críticos, sabiam que o arcabouço fiscal não se sustenta. Suas contas não fecham. As medidas anunciadas são tímidas diante das inconsistências que o marco fiscal impõe. O propósito de garantir e reforçar a atual política fiscal fatalmente naufragará. Nas palavras do próprio ministro, caso não se comprima as despesas, os gastos obrigatórios irão ganhar maior volume e comprimir cada vez mais os gastos discricionários (livres). As estimativas de poupar R$ 70 bilhões nos próximos dois anos estão baseadas em projeções otimistas. O horizonte de ampliar a arrecadação é um pouco irreal. A cobrança de imposto de renda para ganhos superiores a R$ 50 mil apenas compensa a isenção da tabela de quem ganha até R$ 5 mil. Isso se a conta fechar.
Devemos educar e esclarecer a sociedade que comportamento da Bolsa de Valores, do mercado financeiro e cambial deve deixar de ser referência para o universo decisório da política e da economia. Foi-se a época em que serviam de termômetro. Antes a especulação decorria de um mecanismo de causa e efeito em que se perdia na baixa e se ganhava na alta. Hoje, em função das mudanças tecnológicas e de uma nova cultura, as ações, os títulos e as moedas rodopiam desgovernadamente, visto que é possível ganhar na baixa e perder na alta de preços. A lógica do passado mudou. Portanto, o pico do dólar no dia 27 ao bater em R$ 5,91 antes do pronunciamento está em função de ganhos de oportunidade. Na manhã do dia 28, bateu em R$ 6. O mercado sabota a iniciativa do governo. Na queda de braço com o governo, o mercado aposta na desvinculação dos pisos da educação e saúde, essa é a razão da sua revolta. E isso é imexível.
Leonardo de Souza – Doutor em História Econômica
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