Ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Foto: Fátima Meira/Enquadrar/Estadão Conteúdo

A Polícia Federal (PF) apreendeu, em fevereiro deste ano, um documento golpista na sala que seria do ex-presidente Jair Bolsonaro, na sede do PL, em Brasília. Com informações do UOL.

O texto de quatro páginas, classificado pela PF como “discurso pós-golpe”, apresenta argumentos para a convocação das Forças Armadas no plano do golpe de Estado.

O documento faz menção ao decreto do Estado de Sítio, à Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e também menciona notícias falsas e o Supremo Tribunal Federal (STF). “Documento cujo teor parece se tratar de ensaio para discurso preparado para eventual subversão do Estado Democrático de Direito”, escreveu o delegado da PF, Daniel Brasil, no relatório.

Além disso, o texto cita artigos da Constituição para disfarçar a tentativa de golpe.

Em seguida, são citadas as seguintes situações para embasar a intervenção militar:

  • Documento diz que Alexandre de Moraes não poderia ser presidente do Tribunal Superior Eleitoral (STF), pois, segundo a afirmativa, seria amigo de longa data do vice do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin;
  • Carta diz que havia recentes decisões legítimas permitindo a censura prévia, citando a “restrição de prerrogativas profissionais da imprensa e de parlamentares”, que seriam as acusações do PL de que propagandas de Bolsonaro não foram veiculadas em algumas rádios;
  • Coloca em cheque também a legitimidade do processo eleitoral, afirmando que decisões limitam a transparência do pleito, com o impedimento do acesso do Ministério da Defesa ao “código fonte” das urnas, e a multa aplicada ao PL por questionar litigância de má-fé ao pedir a verificação extraordinária de urnas do segundo turno.

O documento também traz tese jurídica como forma de dar caráter de legalidade ao ato inconstitucional, utilizando argumentos como o “princípio da moralidade”, que estabelece que servidores públicos atuem de acordo com preceitos éticos e cumpram a lei.

Também foi usado o argumento de que o poder emana do povo, frase frequentemente usada por bolsonaristas em manifestações.

Conheça a íntegra do discurso:

“Ordem e Progresso: o lema de nossa bandeira requer nossa constante luta pela “segurança jurídica” e pela liberdade” no Brasil, uma vez que não há ordem sem segurança jurídica, nem progresso sem liberdade. Nossa Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, reúne normas gerais favoráveis à “segurança jurídica” e à liberdade da sociedade brasileira na medida em que direitos e garantias (como o direito à vida, à liberdade e à igualdade), princípios fundamentais (como o devido processo legal, o contraditório e a imparcialidade) e remédios constitucionais (como o Habeas Corpus ou o Habeas Data) foram criados pelo Constituinte em linha com os interesses de todos os membros da sociedade brasileira.

Sem dúvida, neste contexto, a ideia de justiça para o Direito do Estado presume que o Poder emana do povo e que a realização da justiça é um imperativo para a sociedade e os agentes públicos. É dizer, numa perspectiva constitucional, a ideia de justiça para o Direito depende de leis justas e legítimas no Estado Democrático de Direito, assim como de decisões judiciais justas e legítimas. Para tanto, devemos considerar que a legalidade nem sempre é suficiente: por vezes a norma jurídica ou a decisão judicial são legais, mas ilegítimas por se revelarem injustas na prática. Isto ocorre, quase sempre, em razão da falta de constitucionalidade, notadamente pela ausência de zelo à moralidade institucional na conformação com o ato praticado.
Devemos lembrar que a Constituição Federal de 1988 inovou ao prever expressamente “princípio da moralidade” o caput de seu artigo 37.
Este princípio constitucional (de inspiração humanista e iluminista) surgiu na jurisprudência do Conselho de Estado Francês há mais de 100 anos, como forma de controle para o desvio de finalidade na aplicação da lei. Para além de seu reconhecimento e aplicação na França, o Princípio da Moralidade também vem servindo de baliza para o exercício dos agentes públicos em outros países.

À evidência, de forma louvável por esse precedente, a Constituição Federal de 1988 converteu a “moralidade” em fator de controle da “legalidade”, inclusive quanto à interpretação e aplicação do texto constitucional e de suas lacunas, justamente para conferir a justa e esperada “legitimidade” aos atos praticados pelos agentes públicos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Insta dizer que o “Princípio da Moralidade Institucional” presume a probidade de todo e qualquer agente público, ou seja, sua honestidade e lisura. Ele proíbe o desvio de finalidade, enquanto arbitrariedade supralegal. Enfim, não permite que leis e/ou decisões injustas sejam legitimadas por atos autoritários e afastados do marco constitucional.

O “servidor público” no exercício da magistratura não pode aplicar a lei de forma injusta, ou seja, contra a Constituição, em especial de modo contrário ao Princípio da Moralidade Institucional, isto porque, este mandado constitucional não pode ser afastado, nem ter o seu alcance mitigado: deve sempre ser considerado aplicado. Do contrário, teremos uma atuação ilegítima.

O juiz de direito (seja ele ministro do STF, ou não) nunca pode agir sem a devida e esperada confirmação de suas decisões à moralidade institucional.

Enquanto “guardiões da Constituição”, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, STF, também estão sujeitos ao “Princípio da Moralidade”, inclusive quando promovem o ativismo judicial.

Aliás, o desmentido ativismo judicial e a aparente “legalidade” (desprovidas de legitimidade, contrárias ao Princípio da Moralidade Institucional e, assim injustas) não podem servir de pretextos para a desvirtuação da ordem constitucional pelos Tribunais Superiores, senão vejamos, entre outros, algumas situações recentes:

  • as normas legítimas autorizando a atuação de juízes suspeitos (nestas eleições, o Ministro Alexandre de Moraes nunca poderia ter presidido o TSE, uma vez que ele e Geraldo Alckmin possuem vínculos de longa data, como todos sabem);
  • as decisões legítimas permitindo a censura prévia (restringindo as prerrogativas profissionais da imprensa e de parlamentares, por exemplo);
  • as decisões afastando muitas “causas justas” da apreciação da Justiça (o TSE não apurou a denúncia relativa à falta de inserções de propaganda eleitoral);
  • as decisões limitando a transparência do processo eleitoral e impedindo o reconhecimento de sua legitimidade (impedindo o acesso do Ministério da Defesa ao “código fonte” das urnas, não apurando a denúncia do PL quanto às urnas velhas;
  • e, ainda, impondo multa arbitrária e confiscatória para constranger o PL em razão de suposta litigância de má-fé — aliás, os dois primeiros dígitos da multa imposta coincidem com o número do partido político em questão) e;
  • as decisões abrindo a possibilidade de revisão do “trânsito em julgado” de importantes matérias já pacificadas pelo STF (notadamente, para prejudicar os interesses de certos e determinados contribuintes).

É importante dizer que todas estas supostas normas e decisões são ilegitimas, ainda que sejam aparentemente legais e/ou supostamente constitucionais, isto porque, são verdadeiramente inconstitucionais na medida em que ferem o Princípio da Moralidade Institucional: maculando a segurança jurídica e na prática se revelando manifestamente injustas. Para além deste fundamento comum de verdadeira inconstitucionalidade, outros princípios, direitos e garantias também restam vulnerados de forma pontual. Enfim, são normas e decisões aparentemente constitucionais, mas inconstitucionais, em verdade que colocam em evidência a necessidade de restauração da segurança jurídica e de defesa às liberdades em nosso país.

Não à toa, encontramos ao longo da história algumas ideias convergentes ao apelo de nosso discurso. Na Antiguidade, “Dar a cada um o que é seu” já era uma ideia defendida por Aristóteles, como definição de justiça e principio de direito. No Iluminismo, a necessidade de “resistência às leis injustas” já era uma ideia defendida por Tomás de Aquino. Mais recentemente, após a Segunda Guerra Mundial, Otto Bachof defendeu na Alemanha a possibilidade de controle das normas constitucionais inconstitucionais, em especial ao reconhecer existência de um direito supralegal, ou seja, um direito pressuposto natural acima da Constituição e de suas normas.

[Aqui, tratar de forma breve das decisões inconstitucionais do STF]

Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem.”

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Last Update: 28/11/2024