Ao fundo, ouve-se uma furadeira, de fora, o freio de um caminhão. Sob o som dessa orquestra peculiar, João Pedro tem um anúncio a fazer: o Museu de Arte de São Paulo (Masp) acaba de ganhar uma segunda sede para chamar de sua. “Estamos realizando hoje um sonho de muitas décadas”, afirmou, na terça-feira 26, o presidente do conselho da instituição, diante de jornalistas, no térreo do recém-inaugurado Edifício Paulo Mendes da Rocha.

A partir de março de 2025, nos 14 andares do novo prédio, será intensificada a programação de seu vizinho direto, o marco arquitetônico projetado por Lina Bo Bardi (1914–1992). Separados por uma rua estreita, os dois blocos serão ligados por um túnel, sob a Avenida Paulista, que deve estar concluído no segundo semestre de 2025. Até lá, o fluxo de operários e o barulho de obras seguirão intensos.

A ampliação aumenta em 66% a área destinada a exposições, com a abertura de cinco novas galerias – além de duas salas multiuso –, permitindo a visitação de até 2 milhões de pessoas por ano. A expectativa é fechar 2025 com 900 mil visitantes, 50% a mais que a média atual.

“Com Tarsila Popular, vimos que o prédio tinha uma limitação real de público”, diz Heitor Martins, diretor-presidente do Masp, sobre a exposição recordista da história do museu, realizada em 2019, que teve mais de 400 mil visitantes. A essa restrição acumulavam-se outras típicas de um imóvel de 1968, como sistema de climatização defasado, descaracterização estrutural e falta de docas para descarregar peças de arte.

Enquanto essas questões eram contornadas, a ideia da expansão – gestada no período em que o arquiteto Júlio Neves dirigiu o museu, de 1996 a 2009 – ia retomando a força. Inaugurada em 1958 com finalidade residencial, a torre ao lado havia sido desocupada nos anos 2000 e vendida para a Vivo. A empresa de telefonia concordou em ceder o espaço ao Masp em troca do uso publicitário da fachada.

“Esta é a inauguração de um novo Masp. Estamos criando esta instituição para o futuro”, diz Heitor Martins

A reforma chegou a ser iniciada, mas foi barrada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) quando a edificação já estava depenada. Na sequência, a Lei Cidade Limpa inviabilizou os planos da Vivo, e o Masp entrou em uma crise financeira.

Com a chegada de Martins à direção, em 2014, a instituição passou por um ­rearranjo que atraiu novos doadores e resultou no saneamento das contas – o próprio Martins tinha liderado, anos antes, um processo semelhante à frente da Fundação Bienal, também em São Paulo. Colocar tudo no azul ajudou o projeto curatorial do diretor artístico Adriano Pedrosa a decolar. Em 2018, Histórias Afro-Atlânticas foi eleita uma das melhores exposições do ano pelo jornal The New York Times.

Esse cenário virtuoso pavimentou a expansão, assinada pelo escritório Metro em parceria com Júlio Neves, sob as bênçãos de Paulo Mendes da Rocha (1928–2021). Para não conflitar com a criação de Lina, o bloco recebeu uma capa de chapas metálicas pretas vazadas que dá uma aparência de monolito vertical nas mesmas proporções do prédio adjacente.

Durante o dia, elas permitem que quem está dentro entreveja a paisagem. Durante a noite, revelam, para quem está fora, um pouco do movimento no interior. As fundações foram reforçadas pelas laterais, possibilitando a existência de galerias livres de pilares, incluindo salas de aula, laboratório de restauração, café, restaurante, área de acolhimento e varanda com vista para as famosas colunas vermelhas da lateral.

No térreo, o pé-direito foi mantido em 8 metros – mesma altura do vão livre ao lado. Nesse trecho, as paredes são inteiramente de vidro. A transparência promove um diálogo ainda maior entre os dois edifícios e com a avenida, convidando os pedestres a entrar.

Uma das vantagens do novo projeto está no uso de técnicas construtivas mais modernas e com menor impacto ambiental. O reaproveitamento da estrutura existente contribuiu para diminuir a pegada de carbono, com o uso de ar-condicionado eficiente e iluminação em LED, que deve diminuir pela metade a conta da instituição.

Memória. O primeiro prédio passa a ser apelidado de Lina, enquanto o segundo leva o nome de Pietro Maria Bardi. O casal (à esq.) criou as bases do museu – Imagem: Acervo/Instituto Bardi

O orçamento geral foi de 250 milhões de reais, pagos exclusivamente com doações de empresários como o próprio Setubal. Para o ­custeio anual, que deve saltar de 80 milhões para 100 milhões de reais, o plano é dividir a conta por igual entre recursos próprios e outros advindos de incentivo fiscal, diminuindo progressivamente a dependência de dinheiro público.

“Recentemente, passamos dois anos sem conseguir aprovar nenhum projeto. Se não tivéssemos uma rede de apoio, o funcionamento do museu estaria comprometido”, justifica Martins, referindo-se ao “apagão” da Lei Federal de Incentivo à Cultura durante o governo Bolsonaro. “Nossa busca é criar estabilidade com recursos que não estejam sujeitos a flutuações da economia e de governos.”

Ingressos, loja e restaurante reforçam o caixa, mas doações de conselheiros e patronos são fundamentais. O objetivo agora é consolidar o fundo patrimonial do museu, permitindo o uso de seus rendimentos na manutenção das atividades, e abrir uma fundação nos Estados Unidos para diversificar as fontes de receita.

Desde a sua inauguração, o Masp é uma organização privada sem fins lucrativos. Isso lhe confere um caráter público: 57% das visitas atuais são gratuitas. A promessa é de manutenção dessa política, ampliação dos programas educativos e requalificação do vão livre, a ser administrado pela instituição pelos próximos 20 anos.

Com a transferência da bilheteria para o primeiro subsolo do novo bloco, o famoso vão livre será ampliado e receberá atividades variadas. A tradicional feira de artesanato realizada ali aos domingos será transferida para outro local.

O antigo edifício não dava conta de exigências atuais ligadas ao sistema de climatização e ao recebimento de obras emprestadas

Enquanto o público não chega, a equipe do museu vai dedicar os próximos meses à produção e instalação do mobiliário, testes de usabilidade de elevadores e estabilização da climatização. O objetivo é garantir a segurança das obras expostas.

Antes disso, nas próximas semanas, o museu anuncia a programação de 2025. Mas já está confirmada uma exposição de paisagens do impressionista francês Claude Monet (1840–1926) dentro do ciclo Histórias da Ecologia, condutor das ações do ano, a ser montada no prédio original, batizado como Lina.

Progressivamente, o prédio original concentrará as mostras ligadas ao acervo enquanto o Edifício Pietro deve receber as temporárias – capaz de atender às exigências dos empréstimos internacionais. O italiano Pietro Maria Bardi (1900–1999), marido de Lina, foi o grande responsável pela formação do acervo adquirido pelo museu entre as décadas de 1940 e 1950.

Os papéis dos dois prédios, no entanto, se inverterão na inauguração: as novas galerias serão, simbolicamente, tomadas de obras do Masp, que, finalmente, tem área suficiente para guardar sua coleção, nascida fortemente europeia e ampliada, nos últimos anos, a partir de um olhar decolonial sobre a arte. A reserva técnica localizada no terceiro subsolo da nova construção se somará à existente.

Para Martins, a proposta é reforçar que todo o complexo faz parte de um mesmo museu. “Esta é, na verdade, a inauguração de um novo Masp. Estamos criando esta instituição para o futuro, mais próxima da população e da comunidade.” •

Publicado na edição n° 1339 de CartaCapital, em 04 de dezembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A virada para o século XXI’

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Last Update: 28/11/2024