A Polícia Federal encontrou, no âmbito da investigação que apurou o planejamento do golpe de Estado pelos aliados de Jair Bolsonaro, um documento que lista estratégias que seriam deflagradas a partir de 16 de outubro de 2022, dia que os golpistas acreditavam se tratar do day after da ruptura democrática, quando começaria o que eles mesmos chamaram de “crise institucional”.
O documento — que consta no relatório de mais de 800 páginas da PF, ao qual o GGN teve acesso — se trata da minuta para criação do Gabinete Institucional de Gestão de Crise, que seria implementado pelo então ministro Augusto Heleno, titular do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República).
Além de Heleno, Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto, Filipi Martins e outros expoentes e membros do antigo governo foram indiciados pela Polícia Federal nesta semana. O Supremo Tribunal Federal levantou sigilo do caso e deu vistas à Procuradoria-Geral da República, a quem compete apresentar denúncia formal contra os investigados.
O Gabinete de Crise seria criado na sala de reunião suprema do segundo andar do Palácio do Planalto, e seus colaboradores teriam de atuar 24 horas por dias, 7 dias na semana. O núcleo tinha várias missões. Entre elas, (1) assessorar Jair Bolsonaro e o núcleo jurídico do golpe, (2) traçar estratégias de mídia para influenciar a opinião pública, o Congresso e a comunidade internacional e (3) convencer o maior número possível de parlamentares a aderir ao golpe.
O golpe seria consumado por Bolsonaro em 15 de dezembro de 2022, através de um decreto de estado de sítio ou de exceção. O ex-presidente, no entanto, não assinou o decreto por falta de apoio dos comandos da Marinha e Exército.
As evidências descritas ao longo do presente relatório demonstraram que o comandante da marinha, Almirante ALMIR GARNIER, e o ministro da Defesa, PAULO SÉRGIO, aderiram ao intento golpista. No entanto, os comandantes FREIRE GOMES, do Exército e BAPTISTA JUNIOR, da Aeronáutica se posicionaram contrários a qualquer medida que causasse a ruptura institucional no país.
No cenário de golpe concretizado, o Gabinete de Crise seria responsável por estabelecer discurso único, em todos os níveis, nas atividades de comunicação social para evitar interpretações e ilações que desinformação a população e designar porta-voz com notoriedade nacional e internacional. Também seria papel do Gabinete minimizar as narrativas da mídias e manter contato com inúmeros segmentos da sociedade tidas como favoráveis ao golpe, além de monitorar os segmentos mais resistentes.
Junto com a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), o grupo pretendia criar uma rede de inteligência entre agências governamentais, nos níveis estaduais e municipais, para atuar como gesto das informações, sensor e catalizador de conhecimentos de inteligência oriundos da coleta de informações das instituições e da população civil.
O documento também revela os principais nomes de integrantes do Gabinete de Crise: O GENERAL AUGUSTO HELENO seria o chefe de gabinete, tendo como coordenador-geral o GENERAL BRAGA NETTO. Logo abaixo dos dois mais importantes, o próprio GENERAL MARIO FERNANDES e o CORONEL ELCIO fariam parte da assessoria estratégica. Após alguns nomes de menor relevância, a assessoria de inteligência parece ser composta por pessoas próximas a MARIO: CORONEL AZEVEDO, CORONEL VIEIRA DE ABREU, de apelido “VELAME”, então chefe de gabinete de MARIO FERNANDES na Secretaria Executiva da Presidência da República e o CORONEL KORMANN.
A maioria do Gabinete é composto por militares. No entanto, destaca-se que a Assessoria de Relações Internacionais seria ocupada pelo investigado FILIPE MARTINS.
De acordo com as investigações, a data de ativação do gabinete consta como 16/12/2022, ou seja, um dia após a realização do evento Copa 2022, que teve o objetivo de prender/executar o ministro ALEXANDRE DE MORAES, com funcionamento no Palácio do Planalto.
A possível versão final do documento que instauraria o Gabinete de Crise tinha cerca de 30 páginas e foi impressa no Palácio do Planalto, em seis cópias. No dia 17 de dezembro de 2022, o general Mário Fernandes, chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência da República, deixou rastros de que esteve no Palácio do Planalto para reunião com Bolsonaro e outros militares e assessores presidenciais.
Após narrar o encontro, a PF descreveu que há provas suficientes para acreditar que os golpistas pensavam em forçar a ruptura democrática mesmo sem ter executado as ações previstas anteriormente, como prisão e execução de autoridades da República.
Os elementos de prova identificados no material apreendido em poder de MARIO FERNANDES demonstram que o grupo investigado já atuava prevendo o cenário posterior à consumação do Golpe de Estado, vislumbrando um ambiente de crise decorrente da ruptura institucional. Nesse sentido, planejaram a criação de um Gabinete vinculado à Presidência da República, que seria composta em sua maioria por militares e alguns civis, liderados pelos generais AUGUSTO HELENO e BRAGA NETTO, para assessorar o então presidente da República JAIR BOLSONARO na implementação das ações previstas no Decreto golpista, criando uma rede de inteligência e contra-inteligência para monitorar o cenário pós golpe e ainda atuar no campo informacional para obter o apoio da opinião pública interna e internacional.
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