O governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), protagonizou um episódio de brutalidade na manhã da última quarta-feira (27), com batalhões da tropa de choque da Polícia Militar reprimindo um protesto de índios da etnia guarani-caiouá. Eles bloqueavam a rodovia MS-156, no trecho entre as cidades de Itaporã e Dourados, no Sul do estado, reivindicando acesso à água potável, recurso inexistente nas aldeias, onde a ausência de saneamento adequado é responsável por enfermidades recorrentes entre a população local.
A ação da tropa de choque incluiu o uso de balas de borracha, spray de pimenta e gás lacrimogêneo, deixando várias pessoas feridas. Em resposta à repressão, alguns manifestantes reagiram atirando pedras contra as viaturas policiais e incendiaram áreas laterais da rodovia para conter o avanço dos PMs.
Participando do II Fórum de Mudanças Climáticas, que acontece entre os dias 27 e 28 de novembro na capital, Campo Grande, o governador defendeu a brutalidade, dizendo que o estado “não pode tolerar” a manifestação. “Hora que fecha uma rodovia, inibe o direito de ir e vir, trabalhadores que não chegam na fábrica, gente que não passa… por uma reivindicação que é justa e que foi negociada, mas o tempo todo sendo procrastinada por interesses políticos e tem um BO [boletim de ocorrência] feito contra a pessoa que estava incentivando as comunidades”, disse Riedel a jornalistas ao ser questionado sobre a exibição grotesca proporcionada pela sua PM, acrescentando ainda:
“O Governo não pode ficar refém de interesses políticos dentro da comunidade indígena que a gente tem o maior respeito. Três dias o Estado parado e nós negociando. Aí ontem, por interferência de uma pessoa e de correntes de instituições públicas federais, dizendo ‘vamos continuar, pressionar, que o presidente deve vir aí’… isso não podemos aceitar.”
Em nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul defendeu o ataque da PM contra os índios, dizendo que a ação foi necessária diante de “iniciativas político-eleitoreiras”:
“As forças de segurança manterão efetivo para garantir paz em todo território sul-mato-grossense. O governo estadual reforça seu compromisso com a transparência, refutando iniciativas político-eleitoreiras, e age em prol de um caminho de justiça e respeito.
Em tempo, o governo de MS, por meio da SEC [Secretaria de Estado da Cidadania], se manteve em contínuo diálogo com todos os envolvidos em busca, sempre, de uma solução pacífica, e lamenta episódios de agressões e enfrentamentos.”
As imagens da repressão, no entanto, são muito claras na exposição do cinismo de Riedel e de seu gabinete de criminosos. No vídeo abaixo, por exemplo, é possível ver uma mulher sendo atingida por um disparo enquanto seu companheiro é arrastado por bandos de PMs dentro de uma aldeia, uma ação ilegal à luz da Constituição, que estabelece a competência da União para ações do Estado no interior das aldeias, tornando a ação de Riedel, seus secretários e de seus PMs um crime por si. Veja:
Membro do Conselho Nacional dos Povos Indígenas e militante do Partido da Causa Operária (PCO), Daniel Lemes dá uma visão mais condizente com as imagens chocantes que tomaram as redes sociais no último dia 27. Narrando um cenário de terror e de uma ditadura fascista, Lemes informa que longe da versão idílica narrada pelo Estado do MS, a PM já vinha aterrorizando os índios guarani-caiouá, inclusive invadindo residências e fichando manifestantes.
“Preciso que alguém faça uma nota sobre a denúncia que está ocorrendo nas aldeias no município de Dourados. O povo está realizando uma manifestação pacífica que já dura três dias. Hoje[27] pela manhã, o governador Riedel enviou o batalhão de Choque para reprimir a manifestação e esvaziar as ruas. A manifestação está acontecendo tanto dentro da aldeia quanto no asfalto. No entanto, as pessoas não estão conseguindo resistir, pois estão sendo abordadas em suas casas, onde estão sendo identificados, assim como todos que estão participando da manifestação.”
Ao DCO, Lemes gravou também um vídeo reforçando sua denúncia:
Essa não é a primeira vez que as comunidades indígenas enfrentam repressão violenta no Estado. O bloqueio da MS-156 foi uma medida desesperada para chamar a atenção das autoridades, diante do descaso com uma necessidade vital. A falta de água potável nas aldeias não apenas compromete a saúde da população, mas escancara o descaso criminoso do governo do MS com os índios, que na metade da segunda década do século XXI, vivem em condições medievais.
Os índios brasileiros sofrem há décadas com a negação de seus direitos mais básicos, incluindo a conclusão da demarcação de suas terras, acesso a serviços essenciais como saúde e infraestrutura condizente com o atual período histórico. Ao invés de conseguir algo tão fundamental à vida como água potável, no entanto, são duramente atacados pela criminosa polícia militar, um instrumento do terror dos latifundiários contra os movimentos camponeses, no MS e nas demais regiões rurais do País, e que devem ser enfrentadas por uma mobilização nacional pelo fim da polícia e pelo direito à autodefesa armada. Abaixo, mais vídeos enviados pelos manifestantes: