Sob protestos, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou nesta quarta-feira 27 uma proposta de emenda à Constituição que pode inviabilizar procedimentos de aborto legal no Brasil. Foram 35 votos a favor e 15 contra.
O texto ainda precisa receber o aval de uma comissão especial antes de seguir para o plenário.
De autoria do ex-deputado Eduardo Cunha, o texto garante a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção por meio de uma alteração no artigo 5º da Constituição. Atualmente, a gravidez pode ser interrompida se houver risco à vida da mulher, em casos de estupro ou se o feto tiver anencefalia.
A ideia era votar a matéria há duas semanas, mas um pedido de vista adiou a análise. Ainda assim, a presidente da CCJ, Caroline De Toni (PL-SC), permitiu que a deputada federal Chris Tonietto (RJ), sua correligionária, apresentasse parecer favorável à proposta.
Horas antes da votação, De Toni anunciou uma mudança na sala em que ocorreria a análise. O início da sessão foi marcado por protestos de mulheres contra o retrocesso imposto pela PEC.
“Imaginem as pesquisas com células-tronco, que, graças a essa visão distorcida e fundamentalista, serão descontinuadas ou paralisadas. Olha o grau de violência contra o conjunto da população”, criticou a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) na sessão desta quarta.
Para Bacelar (PV-BA), a PEC é inconstitucional. “Ao proibir o aborto em quaisquer circunstâncias, esse texto é incompatível com os direitos fundamentais e com os princípios da dignidade da pessoa humana.”
A tropa de choque bolsonarista, por sua vez, pressionou pela aprovação. “Onde não há o respeito pelo início da vida, abre-se espaço para todo tipo de atrocidade. Defender a vida desde a concepção não é apenas uma escolha ética, mas uma necessidade civilizatória”, alegou Julia Zanatta (PL-SC).
Ao apresentar a proposta, Cunha defendeu que “a vida se inicia na concepção, e não no nascimento”. Por esse motivo, sustentou, o direito à inviolabilidade deveria ser garantido desde o momento inicial. Na prática, segundo especialistas, a aprovação resultaria na revogação do direito das mulheres ao aborto legal.
O tema entrou na pauta do Legislativo no início do ano, quando bolsonaristas aprovaram regime de urgência para um projeto que equiparava a interrupção da gravidez ao crime de homicídio. O texto prevê que a pena para a mulher que interromper a gravidez seja mais dura que aquela a ser imposta ao homem que a estuprou.
Em meio às críticas de movimentos sociais e organizações da sociedade, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recuou e anunciou a criação de uma comissão para discutir o projeto. Até o momento, a ideia do colegiado não avançou.
Os próximos passos
Para uma PEC começar a tramitar, tem de contar com no mínimo 171 assinaturas de deputados ou 27 de senadores (um terço de cada Casa).
A primeira parada de um projeto do tipo é a CCJ, responsável por analisar sua admissibilidade. Uma PEC não pode violar as cláusulas pétreas da Constituição: forma federativa de Estado; voto direto, secreto, universal e periódico; separação dos Poderes; e os direitos e as garantias individuais dos cidadãos.
Com o aval da CCJ, a PEC chega a uma comissão especial, com autonomia para alterar o texto original. Ela tem até 40 sessões para votar a proposta, mas os deputados só podem apresentar emendas — sugestões de mudança — nas dez primeiras audiências.
Por fim, restará a análise do plenário da Câmara: serão necessários os votos de pelo menos três quintos da Casa (308), em dois turnos de votação. Em caso de aprovação, a matéria chegará ao Senado.
Se as duas Casas derem seu aval sem alterações, o Congresso Nacional promulgará a emenda constitucional em uma sessão conjunta de deputados e senadores. Se o Senado, porém, mudar substancialmente a redação chancelada pela Câmara, o texto voltará à Casa onde iniciou a tramitação.