Recentemente fui convidado para participar do RedCast, um podcast organizado por influencers de São Paulo. Seria um embate com a professora e doutora negra, Geisiane Freitas, também de direita.
Dias depois, leio um artigo publicado por Paulo Cruz com o título “A arrogância elitista dos rappers brasileiros”. Estranho, não? No referido artigo, Paulo Cruz não se apresenta como um ideólogo de direita, mas um intelectual amante do rap “sem ideologia”, acima do bem e do mal, como se as ideologias caíssem do céu na cabeça das pessoas; em que somente aquelas por ele chamadas, genericamente, de “esquerda” são produtos de artimanhas.
A ideia central do “desideologizado” Paulo Cruz é que o Hip Hop em seu inicio não tinha “compromisso político-partidário” até passar a ser educado “por militantes de esquerda, como Milton Sales (o ideólogo do Racionais) e as famosas reuniões no Projeto Rappers, do Geledés – Instituto da Mulher Negra, de Sueli Carneiro.
Ele faz esse malabarismo politico para rebater uma postagem que Djonga fez criticando rappers que apoiam a direita. Isso foi suficiente para o caro professor chamar Djonga de arrogante e estender essa caracterização para todos os rappers que não são do seu campo politico de direita.
O problema central é que a maioria dos rappers ainda defendem os direitos básicos para os explorados e oprimidos, e isso virou motivo para a direita e a ultradireita tachar qualquer um que pense assim como comunistas. No Brasil essa posição se agrava em razão da nossa burguesia ter se consolidada enquanto classe social dominante assentada na escravidão e no tráfico de africanos escravizados, e a maioria dos seus intelectuais seguem essa mesma pegada.
Paulo Cruz rebate a posição acertada de Djonga em defender o povo Palestino como se ele, Paulo Cruz, estivesse segurando a balança da justiça com os olhos vendados e empunhando a espada das justas decisões. Porém, não diz o que pensa ao criticar o pensamento do opositor.
É anacronismo infantil afirmar que o rap brasileiro girou em direção ao comunismo e à “ruptura revolucionária” como produto da expansão da internet e do apoio que Mano Brown deu ao PT. Lamento dizer, mas nesse debate Paulo Cruz está atrasado em quase três décadas.
Entre o final da década de 1980 e toda a década de 1990, o rap brasileiro não só era, majoritariamente, de esquerda, como o mais politizado do planeta. Nenhum partido, nem o que eu milito hoje, o PSTU, nem o PT, ousariam dizer o que deveríamos tratar em nossas canções. Digo mais: do ponto de vista racial, o rap brasileiro estava mais à esquerda do que a maioria das organizações do Movimento Negro brasileiro e mesmo da esquerda reformista como o próprio PT.
Ou ainda quem não se lembra do Facão Central em seu rap “A Minha Voz Tá no Ar” afirmando:
“Não aceno bandeira, não colo adesivo, não tenho partido, odeio político
A única campanha que eu faço é pelo ensino
E pro meu povo se manter vivo”
O rap brasileiro era politizado, caro Paulo Cruz, porque se desenvolveu em uma realidade que combinava dois fatores: a luta contra a ditadura militar e, logo em seguida, a resistência aos ataques neoliberais e repressivos contra o conjunto da classe trabalhadora, aos povos do campo e aos que viviam nos bolsões de miséria das periferias.
A década de 1990, que você tanto elogia, pois foi governada pelo PSDB, foi a década do massacres da Candelária , de Vigário Geral, do Carandiru, de Eldorados dos Carajás, de Corumbiara, da formação de grupos de extermínios, das privatizações das empresas públicas e da Marcha do tricentenário de Zumbi dos Palmares.
Não por acaso, os principais grupos de rap da época foram processados e tiveram suas canções e clipes censurados. Se você – que se diz dessa geração Hiphopiana – não lembra disso, a burguesia brasileira e seus governos, sim, sabiam que este país estava prestes a explodir e que nesse processo o Hip Hop era pura nitroglicerina.
Repito, não foi uma imposição da esquerda, nem uma sedução de gente esperta junto a artistas ingênuos e bem intencionados. Eu falo isso, porque eu sou produto dessa geração e fundador de uma das organizações mais antigas do Hip Hop brasileiro, o Movimento Hip Hop Organizado do Maranhão, Quilombo Urbano.
Durante os governos petistas, sim, é que o Hip Hop brasileiro ficou muito mais controlado e muito menos critico. Foi o PT que comandou a ocupação militar no Haiti, defendida por vocês, aprovou a Lei das Drogas, que vocês defendem, a privatização dos presídios, em unidade com vocês, e, muito recentemente, o endurecimento da Lei Penal, postura reacionária bastante elogiada pelo deputado Kim Kataguiri, do seu MBL.
Porém, salta aos olhos você não citar uma linha sequer do seu artigo para falar dos grupos de rap que hoje são defensores da direita e da ultradireita. Quem os seduziu, Paulo Cruz? Ou ser de direita e de ultradireita está desde sempre no DNA desses rappers criticados por Djonga?
Não acho que Djonga seja um comunista só por votar no PT, porque o PT não é comunista, mas na política concreta, naquela do mundo real, onde o filho chora e a mãe não vê, você está mais próximo do PT do que possa estar Djonga e a maioria dos rappers brasileiros que você chama de arrogantes. Quem sabe olhando um pouquinho mais para a realidade e com um pouquinho menos de arrogância, você venha a perceber isso?