A morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, por policiais militares – que atiraram, na madrugada do dia 20 na capital paulista, no jovem de 22 anos desarmado apenas porque ele estava agitado – mostra o nível de violência da PM de São Paulo. Violência que é conhecida dos jovens das periferias e que ganhou ainda mais evidência desde que Tarcísio de Freitas, ex-militar, assumiu o cargo de governador e designou Guilherme Derrite, ex-capitão da PM e deputado federal pelo PL, secretário de Segurança Pública.
Como se trata de um jovem de classe média, filho de professor da Faculdade de Medicina da USP, o caso teve grande repercussão na mídia e vai obrigar a Secretaria de Segurança Pública a fazer uma apuração rigorosa e punir os responsáveis. Ainda assim, o pai do estudante declarou que a família está se sentindo desamparada. Imaginem o que acontece com as famílias das dezenas de jovens assassinados pela PM nas periferias.
Embora São Paulo tenha uma das menores taxas de mortes violentas entre os estados brasileiros – em 2023, o indicador foi de 7,8 por 100 mil habitantes –, a taxa de letalidade policial, ou seja, o número de mortes provocadas por policiais vem crescendo. E esse aumento está relacionado à violência policial. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, de janeiro a setembro deste ano, 474 pessoas foram mortas por policiais militares em serviço contra 261 no mesmo período do ano passado (um aumento de 82%).
Dados da letalidade policial de São Paulo publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2023, 14,5% das mortes violentas ocorridas no estado foram provocadas por policiais. No ano anterior, o índice foi de 11,3%. As principais vítimas das mortes violentas no país são jovens entre 12 e 29 anos, negros e homens. Um jovem negro tem 3,8 vezes mais chance de ser morto do que um jovem branco.
A arbitrariedade, a violência excessiva e um endurecimento desmedido e direcionado para pessoas negras, pobres e periféricas foram os grandes eixos da agenda proposta pela direita brasileira para a segurança pública. Inicialmente foi a chamada polícia mineira, o embrião do que hoje conhecemos como milícias – agentes do Estado se aproveitando das brechas deixadas pelo Estado para se apresentar a comunidades como a solução de seus problemas. Depois veio o “Esquadrão da Morte”, organização paramilitar surgida no fim dos anos 1960 de dentro da Polícia Civil, à época comandada pelo delegado Sergio Paranhos Fleury.
Embora São Paulo tenha uma das menores taxas de mortes violentas entre os estados brasileiros, a taxa de letalidade policial vem crescendo
Na década seguinte foi criada a Rota – Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar para combater opositores da ditadura. Com o tempo, a Rota passou a ser conhecida como o braço militar do “Esquadrão da morte”, tamanhas as atrocidades cometidas pelos policiais, e a perseguir bandidos comuns, de grandes traficantes a autores de delitos menores. Depois, na PM do Rio, veio a Tropa de Elite, como ficou conhecido o Batalhão de Operações Especiais, mais conhecido como Bope – do Rio, no fim dos anos 1970, espalhou-se pelo Brasil.
Todas essas experiências têm algum em comum: a cultura da violência e da repressão, o assassinato indiscriminado e a violação de direitos humanos. Nada disso resolveu nem resolverá o problema da segurança pública.
A PM paulista herdou essa tradição. Como as arbitrariedades e violência excessiva não foram punidas com rigor, essa cultura permaneceu enraizada na corporação e explode quando estimulada por comandos mais autoritários, caso da PM do estado de São Paulo. Comandada pelo coronel Cássio de Freitas, anistiou 65 policiais com alta letalidade, desmontou a Corregedoria Militar, e proibiu que os comandantes regionais apliquem punições aos seus comandados. Estas decisões foram centralizadas no subcomandante.
A esse cenário, soma-se um outro componente: o envolvimento político. Na Câmara dos Deputados, até mesmo no Senado e nos legislativos estaduais é expressivo o número de ex-policiais militares. O que não faltam são patentes. Isso politiza o ambiente corporativo, amplia o envolvimento das polícias com esquemas de financiamento de campanha por organizações do tráfico e das milícias, corrompe a autoridade, e desfigura o sistema de promoção interna, onde os apadrinhados políticos e cabos eleitorais alocados em postos burocráticos acabam tendo mais oportunidades de que os profissionais de campo.
Para acabar com a violência policial, devemos começar com desmilitarizar a PM, fortalecer as corregedorias, manter o uso das câmeras corporais, rever o processo de formação dos policiais militares e adequar o currículo das academias a um novo conceito de policiamento que será principalmente de proximidade. É necessário, sobretudo, desenvolver a capacidade de inteligência não só da Polícia Civil, que faz a investigação, mas também da PM. Sem inteligência não há como combater o tráfico, que já espalhou por todo o país e, hoje, é nosso principal problema de segurança pública.