A população do Paquistão voltou a desafiar o governo de Shehbaz Sharif no último domingo (24), quando milhares de apoiadores do ex-primeiro-ministro, Imran Khan, tomaram as ruas de Islamabad e de outras cidades do país, enfrentando o Estado de sítio decretado pelas autoridades e exigindo a libertação do líder popular, preso sob acusações amplamente denunciadas como tendo motivação política.
Khan, de 72 anos, foi destituído do cargo em abril de 2022, em um golpe de Estado articulado pelo imperialismo, enfrentando agora mais de 150 processos judiciais. Sua prisão em agosto de 2023, relacionada a um caso de suposta venda ilegal de presentes do Estado, desencadeou uma onda de protestos que atingem agora seu ápice, com multidões marchando em direção à capital para exigir também o fim do regime repressivo e a realização de eleições livres.
Os protestos, organizados pelo partido de Khan, o Paquistão Tehreek-e-Insaf (PTI, do urdu e significando “Movimento pela Justiça” em português), reúnem pessoas de todas as partes do país, com destaque para as caravanas que partiram da província de Khyber Pakhtunkhwa, no nordeste paquistanês e importante reduto político do PTI. Liderados por figuras proeminentes, como Fatima Bibi, esposa de Khan, os manifestantes chegaram ao coração de Islamabad na terça-feira (26), rompendo bloqueios de estradas feitos com contêineres, arame farpado e enfrentando gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição letal disparados pelas forças de segurança.
Segundo relatos, os confrontos já resultaram na morte de pelo menos seis membros das forças de segurança e dois manifestantes, além de dezenas de feridos em ambos os lados. Apesar da repressão, os manifestantes avançaram até a praça D-Chowk, onde planejam realizar um ato ainda maior contra o regime. A região é parte do chamado “Red Zone” (Zona Vermelha, em português), que abriga edifícios estratégicos como o gabinete do primeiro-ministro e o Supremo Tribunal.
Ainda na noite de terça-feira (26), o governo ordenou um apagão de energia e a interrupção dos serviços de internet em várias áreas de Islamabad, em uma tentativa de conter a mobilização. Segundo a organização NetBlocks, as restrições dificultaram a comunicação entre os manifestantes, mas não foram suficientes para paralisar os protestos.
O governo de Shehbaz Sharif invocou também o Artigo 245 da Constituição, autorizando a mobilização do Exército para “manter a ordem”. Este dispositivo confere às Forças Armadas poderes amplos para assumir a repressão e inclui também imunidade judicial para as ações militares contra o povo. Além disso, foi imposta uma proibição de dois meses para reuniões públicas em Islamabad, evidenciando o caráter autoritário do regime.
Os relatos de violência e repressão incluem ordens de atirar para matar emitidas contra manifestantes, denunciadas por meios de comunicação locais e internacionais. A mobilização do Exército marca uma escalada nos métodos repressivos do regime, que acusa os apoiadores de Khan de buscar “sangue” em vez de mudança política.
Mohsin Naqvi, ministro do Interior, responsabilizou Fatima Bibi por “orquestrar o caos” e chamou os manifestantes de “elementos desestabilizadores”. Em contraste, figuras do PTI como o deputado Waqas Akram acusaram o governo de tratar os próprios cidadãos como inimigos.
Os manifestantes exigem a libertação de Khan e a revogação de emendas constitucionais que restringem os poderes do Judiciário, como a 26ª Emenda, aprovada pelo Parlamento sob a liderança de Sharif. Além disso, protestam contra a suposta manipulação das eleições de fevereiro deste ano, em que partidos da coalizão governista foram acusados de roubo de votos.
As demandas do PTI incluem ainda a libertação de centenas de presos políticos detidos desde os primeiros protestos em 2023. Segundo o partido, as ações judiciais contra Khan são parte de uma campanha para eliminar qualquer oposição ao regime imposto.
Khan, mesmo encarcerado, enviou mensagens para seus apoiadores pedindo resistência pacífica, mas firme, descrevendo a luta como essencial para a “liberdade verdadeira” do Paquistão. Sua liderança mobiliza uma ampla base popular, especialmente entre a juventude e as classes trabalhadoras, que veem no ex-primeiro-ministro um defensor dos interesses nacionais contra as interferências externas.
O golpe contra Khan e a repressão aos seus apoiadores não podem ser dissociados do papel do imperialismo no Paquistão. A intervenção direta das potências estrangeiras, em particular os EUA, tem sido um fator determinante para a sustentação de regimes alinhados com seus interesses econômicos e estratégicos. O governo de Sharif, sustentado por uma coalizão de partidos corruptos, opera como um fantoche nas mãos das forças imperialistas, reprimindo brutalmente qualquer oposição que ameace sua estabilidade.
A prisão de Khan e a escalada repressiva evidenciam a submissão do regime paquistanês às políticas ditadas de fora. As acusações contra o ex-primeiro-ministro, amplamente vistas como fabricadas, têm como objetivo impedir sua volta ao poder e neutralizar o movimento nacionalista liderado pelo PTI.
Os acontecimentos recentes no Paquistão revelam uma luta de classes cada vez mais radicalizada, com a população enfrentando a classe dominante e seu aparato repressivo para defender seus direitos e sua soberania. A mobilização popular pela libertação de Khan e a realização de eleições livres pode ser o estopim para uma etapa política totalmente imprevisível no país.
No entanto, o enfrentamento direto com o regime militarizado e a repressão imperialista exige organização e solidariedade internacional. A luta do povo paquistanês é parte da resistência global contra a opressão imperialista, sendo também um reflexo da crise de características terminais da ditadura exercida pelos monopólios.