No segundo turno das eleições presidenciais ocorrida no último domingo (24), o Uruguai elegeu Carlos Alberto Orsi, do Partido Socialista do Uruguai, (PSU, membro da coalizão esquerdista Frente Ampla), como novo presidente da república, marcando o retorno da coalizão ao poder após um intervalo de cinco anos. Considerado um “pupilo” do ex-presidente “Pepe” Mujica, Orsi obteve 49,66% dos votos, derrotando Álvaro Delgado, da coalizão de direita liderada pelo Partido Nacional e apoiado pelo atual presidente Luis Lacalle Pou, que ficou com 46,06%. A vitória tem sido apontada pela esquerda pequeno-burguesa como um fortalecimento do campo na América Latina, porém esbarra em uma análise mais concreta sobre quem é o presidente eleito.

Ex-intendente do departamento de Canelones, Orsi teve um governo marcado pela repressão, sendo responsável pela prisão de aproximadamente 2,3 mil pessoas no departamento. Além disso, o tráfico de drogas também foi duramente reprimido pelo político, responsável pela apreensão de toneladas de maconha em seu governo, mais de 2 toneladas apenas no ano de 2018. 

A partir de 2020, trabalha com estreita colaboração com o Ministério do Interior do governo Lacalle Poul, órgão responsável pela repressão interna. Não à toa, a questão da segurança pública e do combate a criminalidade ganhou muito destaque em sua campanha presidencial. Ainda, as circunstâncias que o elegeram já são, por si mesmas, indicativas de que nada minimamente progressista deve ser esperado do governo Orsi.

Com toda a América do Sul tomadas por regimes extremamente repressivos, o próprio processo eleitoral do Uruguai já é digno de nota. Chamado de “chato” e “invejável” pela rede britânica, as eleições uruguaias ocorreram sem grandes comoções, em um continente onde a radicalização provocada pela crise do imperialismo tem sido a norma, exceto no Uruguai.

Em uma demonstração do direitismo de Orsi, o presidente em exercício, Lacalle Pou, reconheceu prontamente a vitória do opositor, convidando-o para iniciar a transição de governo. O candidato derrotado nas urnas, Delgado, também acatou o resultado, afirmando que “os uruguaios definiram quem será o presidente da República”, uma atitude que não se vê em todo o continente, do Alasca à Terra do Fogo, exceto no país vizinho, o que longe de indicar uma estabilidade favorável à população, demonstra a estabilidade do domínio imperialista.

Professor de História de origem, Orsi é considerado um sucessor político de Mujica, principal líder da Frente Ampla e ex-presidente do Uruguai. O próprio ex-presidente elogiado pelo imperialismo e pela esquerda pequeno-burguesa terminou seu mandato incólume, contrariando a agitação em todo o continente americano, onde golpes de Estado, prisões políticas e radicalização foram a norma a partir de 2008 e particularmente na década passada, um fenômeno que não chegou apenas no Uruguai, em outra expressão da solidez da ditadura imperialista e do neoliberalismo no país.

Dedicado a manutenção dessa estabilidade, o presidente eleito já prometeu governar “para todos” os uruguaios, em um governo de integração nacional, o que na América Latina tradicionalmente é uma forma ensaboada de a esquerda dizer que governará com a direita e excluindo o povo. A eleição, no entanto, marca uma nova etapa para a Frente Ampla, consolidando o alinhamento da frente com o imperialismo e trazendo um deslocamento ainda maior à direita. Orsi se autodenomina uma “esquerda moderna e renovada”, o que do ponto de vista dos monopólios internacionais está certo, como demonstra suas declarações reveladoras sobre o governo da Venezuela:

“Se não há liberdade, não consigo imaginar uma democracia. Portanto, um país é democrático se há liberdade na hora de eleger. Tenho um ponto fraco, que é o meu gosto pela história. Estudei, porque gosto, as ditaduras da América Latina. O que acontece hoje na Venezuela não é o que aconteceu nos anos 70 ou 80. Então, nas últimas eleições ficou claro que não foi um processo limpo e que o resultado é muito duvidoso, ou pelo menos suspeito (…) Portanto, isso não é uma democracia, é um regime autoritário e, se quiserem, uma ditadura”.

Ao atacar de maneira totalmente gratuita as eleições na República Bolivariana, caracterizando-as como fraudulentas e basilares de um “regime autoritário” ou até uma “ditadura”, Orsi repete, sem qualquer vergonha, a propaganda imperialista ditada pelo governo dos EUA. Essa posição não apenas agrada à ditadura mundial, mas reforça a subserviência do Uruguai aos interesses dos EUA, legitimando intervenções externas contra governos que tentam resistir ao domínio norte-americano.

A promessa de “programas sociais” é mais uma fachada, como já demonstrou o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, cujo governo tem enfrentado grandes dificuldades apenas para manter medidas paliativas dos programas sociais. Finalmente, “programas sociais”, como demonstra a experiência brasileira com o governo Bolsonaro, não bastam para uma caracterização precisa sobre um determinado fenômeno político, sendo perfeitamente possível fazer algumas e ser um capacho da ditadura mundial. Nos posicionamentos e sobretudo no ataque gratuito à Venezuela, Orsi reforça ser esse o caso no Uruguai.

A Frente Ampla, que já vinha se distanciando das demandas populares, tende a se mostrar totalmente integrada aos interesses do imperialismo, incapaz de oferecer uma alternativa real para os trabalhadores. O ataque à Venezuela e a adoção de discursos direitistas, como a “repressão ao crime”, demonstram que o novo presidente não terá nenhuma hesitação em sacrificar a soberania do país que o elegeu. Não há nenhuma vitória da esquerda, mas uma ante-sala para um próximo governo neoliberal, capaz de retomar a ofensiva imperialista contra a América Latina.

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Last Update: 27/11/2024