Tornou-se comum no atual regime jurídico brasileiro que a grande imprensa julgue os réus antes mesmo de eles serem julgados pelos juízes. E tornou-se igualmente comum que os mesmos juízes vazassem parte das investigações para que a imprensa fizesse o seu pré-julgamento.
O caso mais recente é a suposta tentativa de assassinato e a suposta tentativa de golpe de Estado organizada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao mesmo tempo em que a Polícia Federal e juízes como Alexandre de Moraes têm o costume de manter a defesa totalmente ignorante do processo, para que assim não possa se defender, eles também têm o costume de divulgar ao público aquilo que é conveniente de acordo com os seus interesses políticos.
Inicialmente, a Polícia Federal divulgou uma minuta de uma proposta de golpe de Estado, na qual constaria a decretação do estado de defesa, a prisão de várias autoridades públicas, incluindo Alexandre de Moraes. A mesma PF teria encontrado um plano redigido por um conjunto de militares para assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, e mais uma terceira pessoa desconhecida. O novo documento foi suficiente para que 37 pessoas fossem indiciadas sob a acusação de tentativa de golpe de Estado.
O problema é que não houve nada que possa ser considerado, nem remotamente, uma tentativa de golpe. Um plano não é uma tentativa, é apenas uma atividade intelectual. Querer matar alguém, querer cometer um crime ou mesmo pensar nos meios de fazê-lo não são, nem nunca foram, crime no Brasil. Afinal, a Lei deve ser algo objetivo. Alguém deve ser julgado pelos fatos, por suas ações, e não por seus pensamentos.
A base para investigar essas pessoas é a suposta defesa do Estado Democrático de Direito. O que, em si, é uma farsa, uma vez que o Estado Democrático de Direito deveria ser um Estado preocupado em resguardar os direitos democráticos da população contra os arbítrios do Estado. Neste caso, trata-se de uma defesa do Estado. Uma coisa, portanto, fascista, autoritária.
Mesmo assim, a lei que trata disso, que é a Lei 1,417/2021, estabelece como crime “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Fato é que não houve violência nenhuma, não houve grave ameaça. Houve apenas um plano, e que não foi frustrado por ninguém. Foi um plano que não saiu da gaveta dos militares.
É uma deturpação da lei. Escrever uma minuta, escrever um plano, não é crime. Não é uma tentativa. Tentativa seria, por exemplo, se, uma vez realizado esse plano, os bolsonaristas comprassem veneno para matar o presidente Lula, definissem uma data para executá-lo, envenenassem sua comida e fossem impedidos por alguém que descobriu o plano e impediu o presidente de ingerir o alimento. Ou se os militares anunciassem em público que, caso o governo Lula não adotasse uma determinada medida, eles iriam intervir.
Há não muito tempo, houve uma grave ameaça por parte dos militares. O então comandante Eduardo Villas-Bôas utilizou o seu perfil no antigo Twitter para ameaçar o Supremo Tribunal Federal, caso este concedesse um habeas corpus ao então ex-presidente Lula. Neste caso, ninguém tomou medida alguma para indiciá-lo por tentativa de golpe de Estado.