Barão de Itararé e o jornalismo com humor
Por Jairo Faria Mendes
O Barão de Itararé abriu caminho para o que a gente conhece como jornalismo político, crítico e irreverente. Modelo que foi seguido por jornais alternativos à ditadura militar, como o Pasquim. Além disso, ele deixou o nosso país mais divertido, esperançoso e solidário.
Como o velho e frágil Don Quixote, que era uma paródia dos cavaleiros medievais; o Barão de Itararé era o cidadão comum, que fazia uma caricatura das elites brasileiras. Era um falso barão, nomeado por ele mesmo, por ter vencido uma batalha que nunca ocorreu.
Barão de Itararé era o heterônimo (muitas vezes o pseudônimo) de Apparício Torelly (1895-1971), um gaúcho que veio ao Rio de Janeiro, em 1925, com 30 anos, para revolucionar a imprensa brasileira. Logo que chegou começou a trabalhar em O Globo, com um salário bem generoso.
Mas, uma semana depois, morreu o proprietário do jornal, e ninguém acreditou que este teria contratado o desconhecido Apparício Torelly com um salário tão elevado. Por isso, a passagem dele no jornal durou poucos dias.
Depois foi trabalhar com Mário Rodrigues (pai de Nelson Rodrigues) que estava criando o jornal A Manhã. Após alguns meses, Apparício largou A Manhã para criar o semanário A Manha, que como o próprio nome diz parodiava a publicação de Rodrigues.
Na época, existiam muitos periódicos humorísticos, mas nenhum com a qualidade e com o compromisso social de A Manha, que circulou de 1926 a 1959, tendo muitas interrupções pelas perseguições e prisões que Apparício sofreu.
Em A Manha, Apparício Torelly criou vários personagens humorísticos como o “querido diretor”, o “Barão de Itararé” e “sua majestade Itararé I, imperador da URSAS (União das Repúblicas Socialistas da América do Sul)”. Acabou ficando conhecido como o Barão de Itararé.
Sempre defendeu ideias socialistas e, com seu humor, incomodou muito as elites de sua época. Por isso, talvez tenha sido o jornalista mais perseguido de seu tempo. Mas isso nunca fez com que ele perdesse seu bom humor.
Barão de Itararé e a resistência à censura
A primeira grande agressão que o jornalista sofreu foi em razão de uma série de reportagens que ele publicou no periódico comunista Jornal do Povo, contando detalhes sobre a Revolta da Chibata, em que marinheiros negros se revoltaram por um colega receber 250 chicotadas (chegando a desmaiar) e tomaram alguns navios da Marinha, além de matar alguns oficiais opressores.
Por causa das reportagens, Apparício foi seqüestrado, em 19 de outubro de 1934, por cinco oficiais da Marinha. Ele foi levado a uma praia deserta, em Jacarepaguá, teve o cabelo raspado, foi espancado e abandonado pelado. Quando conseguiu retornar a sede de A Manha, pediu para colocarem a placa “Entre sem Bater”.
Outro momento difícil para nosso Barão ocorreu depois da Intentona Comunista. Apesar dele não ter nenhum envolvimento com a ação, foi preso junto com muitos outros intelectuais, como Nise da Silveira, Graciliano Ramos e Olga Benário Prestes. Ficou preso por pouco mais de um ano, sendo solto só em dezembro de 1935. Quando ele foi detido, Graciliano pensou que a chegada do Barão daria mais leveza e deixaria a prisão mais divertida. Isso realmente ocorreu.
Todas as noites na PR-ANL Rádio Libertadora (uma simulação de um programa de rádio que os presos políticos faziam todas as noites) o Barão repetia sua “Teoria das Probabilidades”, que através de um raciocínio divertido e maluco provava que ninguém precisava se preocupar.
No momento de sua prisão, Apparício também zombou de seus perseguidores. Ele foi levado a várias locais, onde sempre precisa passar pelo mesmo ritual, tendo que preencher fichas e dar depoimentos. No primeiro lugar que foi levado se apresentou como “ministro esotérico”, no segundo, como “livre pensador, mas não com muita liberdade”, no terceiro como “católico apostólico Romano ou Serafim Braga”. Romano era o delegado de Ordem Política e o Serafim Braga, de Ordem Social.
Assim, o Barão foi se tornando um grande símbolo da resistência política. Chegou a ter uma curta passagem pela política, como vereador do Partido Comunista Brasileiro, no Rio de Janeiro. Deixou as sessões da Câmara mais divertidas e mais populares, mas foi cassado antes que seu mandato completasse um ano. Por isso, publicou em A Manha: “Um dia é da caça… os outros da cassação”.
A partir da década de 50, seu humor foi perdendo fôlego. Afinal, em três décadas, muita coisa tinha mudado. No final da vida, em 1963, ele recebeu um grande presente, uma viagem de 110 dias para a China, com uma passagem por Moscou. Quando retornou, viveu o desgosto profundo de assistir ao Golpe Militar. Acabou não sendo preso, talvez pela idade avançada. Morreu em 27 de novembro de 1971, sendo sepultado no mesmo dia, sem grandes homenagens e com a presença de poucas pessoas.
É muito difícil falar do Barão de Itararé em poucas linhas. Além de sua história ser cheia de grandes acontecimentos, era um ser humano exemplar