Militares envolvidos na trama para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder continuaram a monitorar os passos do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes mesmo após fracassar o plano de golpe em 15 de dezembro de 2022, concluiu a Polícia Federal.
A avaliação consta do relatório em que a PF indiciou Bolsonaro e mais 36 pessoas pela conspiração de 2022. Moraes retirou o sigilo do documento nesta terça-feira 26 e enviou o inquérito à Procuradoria-Geral da República. Cabe agora à PGR denunciar os indiciados, arquivar o caso ou solicitar novas diligências.
A investigação identificou que o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro, solicitava informações sobre os deslocamentos de Moraes ao coronel Marcelo Câmara, à época assessor do presidente. Nos diálogos, os militares se referiam ao ministro como “professora”.
“Por onde anda a Professora?”, perguntou Cid a Câmara em 19 de dezembro. “Informação que foi para uma escola em SP”. Ontem”, respondeu o coronel. Leia a sequência da conversa:
O acompanhamento da movimentação de Moraes prosseguiu inclusive na véspera de Natal, dia em que Cid perguntou a Câmara: “Onde a professora está?”. Eis o diálogo:
A PF afirma ter comparado os deslocamentos aéreos de Moraes no período de 14 de dezembro a 31 de dezembro de 2022 com os dados do acompanhamento promovido pelos militares. A análise, diz a corporação, comprova que o ministro foi monitorado, demonstrando que os atos relacionados a tentativa de Golpe de Estado e Abolição do Estado Democrático de Direito estavam em execução.
Em 16 de dezembro, Câmara afirmou que o alvo viajou naquele dia a São Paulo, com retorno previsto para 19 de dezembro, data de uma nova viagem à capital paulista. “Por enquanto só retorna a Brasília pra posse do ladrão. Qualquer mudança que saiba lhe informo”, emendou.
Os dados da agenda oficial de Moraes confirmam a precisão do monitoramento.
As expectativas dos investigados em obter êxito na referida empreitada criminosa permaneceu durante o mês de dezembro, adentrando, inclusive, em janeiro de 2023, já durante o mandato do atual Presidente da República.
Conspiração para assassinar o ministro
A PF avalia que o plano para assassinar Moraes em 15 de dezembro de 2022 não foi adiante devido à recusa do comando do Exército de aderir ao golpe de Estado.
A conspiração veio à tona na semana passada, quando a polícia deflagrou a Operação Contragolpe e prendeu quatro militares do Exército ligados às forças especiais, os chamados “kids pretos”: o general Mário Fernandes, o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo e o major Rafael Martins de Oliveira. Outro preso é o policial federal Wladimir Matos Soares.
A PF teve acesso a mensagens de um grupo de conversas criado pelos golpistas no aplicativo Signal e chamado “Copa 2022”, com o objetivo de monitorar Moraes. Os militares envolvidos receberam codinomes de países, como Alemanha, Austria, Japão e Gana.
Apesar de todas as pressões realizadas, o general Freire Gomes e a maioria do alto comando do Exército mantiveram a posição institucional, não aderindo ao golpe de Estado. Tal fato não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final e, por isso, o então presidente da República Jair Bolsonaro, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou. Com isso, a ação clandestina para prender/executar ministro Alexandre de Moraes foi abortada.
Em busca de apoio ao golpe, segundo a Polícia Federal, Bolsonaro promoveu diversas reuniões com os comandantes militares e com o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Chefiavam as Forças Freire Gomes (Exército), Baptista Júnior (Aeronáutica) e Almir Garnier (Marinha).
Na manhã de 7 de dezembro, por exemplo, após realizar pessoalmente ajustes na chamada minuta do golpe, Bolsonaro convocou ao Alvorada os chefes militares, a fim de “apresentar o documento e pressionar as Forças Armadas a aderirem ao plano de abolição do Estado Democrático de Direito”, conforme o relato da PF.
A PF concluiu que Garnier e Paulo Sérgio se juntaram à intentona golpista, enquanto Freire Gomes e Baptista Júnior se manifestaram contra a ruptura institucional.
Em 15 de dezembro, Mário Fernandes enviou uma mensagem ao general Luiz Eduardo Ramos, então secretário-geral da Presidência, relatando que Freire Gomes iria ao Palácio Alvorada para supostamente comunicar sua anuência ao golpe.
“Kid preto, algumas fontes sinalizaram que o comandante da Força sinalizaria hoje, foi ao Alvorada para sinalizar ao presidente que ele podia dar ordem”, dizia a mensagem, segundo a transcrição da PF.
Freire Gomes de fato esteve no Alvorada, a exemplo de Ramos. Não houve, porém, adesão institucional do Exército à ruptura.