O deputado federal, Padre João (PT-MG), publicou um artigo no sítio Brasil 247, intitulado O capitão, o coach e o futuro do país, no qual defende que “vivemos um país adoecido fruto de um fascismo construído nas notícias falsas e com ajuda da mídia e das grandes empresas tecnológicas“.
“Nada está ruim que não possa piorar. A ascensão da extrema-direita nos coloca muito em reflexão em qual caminho do futuro do país vamos construir. Vivemos um país adoecido fruto de um fascismo construído nas notícias falsas e com ajuda da mídia e das grandes empresas tecnológicas. É uma sociedade do cansaço que sofreu seis anos de desconstrução das políticas públicas, da pobreza, do desemprego e da mentira.”
O que Padre João enumera é a superfície do problema, que não é outra coisa, mas o reflexo da total decadência do imperialismo, que se reflete na sociedade dominada por essa classe social. O problema da colocação do parlamentar petista é que ela concentra as críticas nas ditas notícias falsas, na “ajuda da mídia” e nas grandes empresas tecnológicas. É como se o problema fosse a comunicação de uma desagregação social e não a crise da sociedade em si, que se manifesta por todos os aspectos, não apenas os citados, mas também a economia, a cultura e tudo o que diga respeito ao convívio social.
O fato de o deputado focar sua denúncia em um aspecto específico e não no problema em si termina levando à conclusão de que bastariam às pessoas não se comunicarem para superar o estado de “cansaço cognitivo”. Desta forma, o texto vale uma discussão não pelo que diz, mas pelo que deixa implícito, que é, afinal, uma defesa da censura.
Ao mirar em “notícias falsas, mídia e grandes empresas tecnológicas”, sem maiores detalhes, o que Padre João está fazendo e defender o recente ataque do judiciário brasileiro ao direito de 20 milhões de brasileiros de usarem a rede social X, entre outros ataques à liberdade de expressão que o País vem sofrendo sistematicamente há alguns anos.
Dizer que as notícias falsas são responsáveis pela crise social e política é ignorar o imperialismo, o verdadeiro responsável por toda a crise observada e que o País certamente vive, assim como o resto do mundo. Padre João ignora deliberadamente o colapso econômico e cultural imposto pelo imperialismo que, há décadas, tem levado o povo à miséria e ao desespero. A crise social não foi fabricada por uma “overdose de informações”, como ele insinua. Pelo contrário, é fruto direto da opressão e exploração brutal promovidas pelo regime imperialista e suas políticas de austeridade, desmonte de serviços públicos e precarização do trabalho.
“Cada vez mais vemos uma população cansada, doente e sofrendo. A xenofobia, a intolerância, a violência e o racismo não gera mais reação. O cansaço cognitivo, carregado pela sociedade marcada pelo bombardeio neuronal, como as redes sociais, excesso de informações, a briga pela atenção, o trabalho precarizado e vida cada vez mais medíocre, e a hiper normalização andam juntos.”
A defesa de que o “excesso de informações” está na raiz dos problemas sociais é profundamente perigosa, dado que novamente, coloca a censura como uma resposta velada ao “cansaço cognitivo”. Na prática, ao apoiar o controle da informação, Padre João se alinha com a classe social que está produzindo a catástrofe apenas parcialmente identificada pelo deputado.
É importante lembrar que a liberdade de expressão foi uma das conquistas centrais da luta contra a Ditadura Militar (1964-1985). Após décadas de censura e repressão, o povo brasileiro lutou arduamente para conquistar o direito de se expressar politicamente, de criticar o governo, de denunciar o que atingia os interesses dos trabalhadores, além de organizar movimentos sociais, para o que, a liberdade de expressão é o direito mais básico de todos.
A esquerda, ao invés de se aliar a essas medidas repressivas, deveria denunciá-las. A liberdade de expressão é um direito fundamental, especialmente para aqueles que querem transformar a sociedade.
Ao apoiar a censura contra seus inimigos políticos, a esquerda está apenas cavando sua própria cova. O próximo alvo dessas medidas será inevitavelmente a própria esquerda, os movimentos populares e qualquer um que ouse desafiar o regime de exploração imposto pelo imperialismo.
Existe uma fantasia de que a direita e particularmente a direita bolsonarista defende a liberdade de expressão. Nada mais falso.
Esse setor defende a Ditadura Militar, que reprimiu a liberdade de expressão com uma dureza até hoje inédita do País. A defesa que dizem fazer da livre manifestação do pensamento não é outra coisa, mas apenas demagogia, como comprova o pedido feito por parlamentares bolsonaristas para a cassação do registro partidário do PCO. A liberdade de expressão sempre foi e continua sendo uma reivindicação da esquerda.
Ao concentrar as atenções em “notícias falsas, mídia e grandes empresas tecnológicas”, portanto, em censura, o Padre João pode nutrir as mais diversas ilusões, mas está mais perto da essência do bolsonarismo do que pode supor. Finalmente, os sintomas da doença social produzida pela decadência do imperialismo também são denunciados pela extrema direita.
Pode parecer estranho a um incauto, mas dado que a crise social não pode ser escondida, nada de mais normal do que a burguesia criticá-la e se antecipar à esquerda. Proliferam-se no mercado cultural as mais variadas obras tratando do tema, seja na produção jornalística ou artística, do qual as obras de distopia e o niilismo são uma expressão. Dessa forma, a mera denúncia da crise do imperialismo não tem nada de extraordinário, sequer diferencia esquerda e direita, muito diferente da defesa da solução do problema: a revolução social, o único jeito de realmente se transformar a sociedade e acabar com os problemas identificados por Padre João, e para o qual, a censura nunca foi uma arma, sendo antes uma barreira.
Ocorre que para isso, todas as liberdades democráticas são fundamentais, especialmente a mais vital delas, que é a liberdade de expressão, não por acaso, tão atacada e sempre a primeira a ser suprimida em uma ditadura escancarada. Apesar de denunciar o fascismo, as colocações do padre ajudam-no imensamente, na medida em que tornam aceitável a restrição da opinião política do povo.