Ao longo do processo que culminou com a aprovação da reforma trabalhista em 2017 — seguida da lei das terceirizações —, movimentos sindicais, sociais e políticos alertaram para os seus efeitos nefastos. Mas, a maioria não deu ouvidos. O discurso de que as novas regras modernizariam a legislação, gerariam mais empregos e crescimento prevaleceu, convencendo inclusive os trabalhadores.
De lá para cá, muitas evidências mostraram o contrário. E ficou explícito que a reforma, como era esperado, tinha mesmo o propósito de beneficiar o patronato, precarizando e piorando as condições de salário e trabalho para boa parte da população.
A insatisfação dos trabalhadores com essa situação pode ser verificada em pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, divulgada nesta semana pelo UOL. O estudo mostrou que sete em cada dez trabalhadores informais desejam ter a carteira assinada. O levantamento considerou na informalidade uma fatia de 25,4 milhões de pessoas, de uma população ocupada total de 100,2 milhões em março.
A maioria dos que gostariam de exercer uma ocupação formalizada — e garantir direitos como 13° salário, férias remuneradas, FGTS, assistência médica e vale-transporte, entre outros — é formada majoritariamente pela fatia mais pobre.
De acordo com a pesquisa, 75,6% dos autônomos com renda de até um salário mínimo (R$ 1.412) almejam um emprego com carteira assinada. Entre aqueles com renda entre um e três mínimos, o percentual é de 70,8%. Além disso, a maioria dos que sonham com a CLT são homens (69%), com o ensino fundamental (72%) e negros (68%).
Cabe salientar que a maioria dos autônomos ganham mal: 44% até um salário mínimo; 41% até três e apenas 14% entre três e dez mínimos. Desde julho de 2017, quando a reforma foi sancionada, até junho deste ano, a fatia de autonomia aumentou 17%, saindo de 21,7 milhões para 25,4 milhões.
Justiça do Trabalho
“Lamento constatar que a reforma trabalhista não entregou os resultados que prometeu. Não pacificou conflitos”, admite o presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Lélio Bentes Corrêa, ao jornal Folha de S. Paulo.
Somente em 2023, 3,5 milhões de processos foram recebidos pela Justiça do Trabalho, número 11,3% maior do que em 2022. Segundo a publicação, foi percebida uma redução em 2018 e, em 2019, voltou a crescer.
O magistrado também criticou o enfraquecimento das entidades sindicais a partir do fim da contribuição sindical obrigatória, outro dispositivo da reforma. “Se nós temos sindicatos enfraquecidos, sem condições de promover o custeio da própria atividade sindical, vamos ter uma desproporção na balança de poder na relação de trabalho que gera ainda mais conflitos”, declarou.
Insegurança e trabalho escravo
Outro dos muitos prejuízos trazidos pela reforma é a precarização do ambiente de trabalho. De acordo com o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab), apenas em 2022, foram registrados 612,9 mil acidentes de trabalho e 2.538 óbitos em todo o país, maior taxa de mortalidade em uma década, com sete óbitos a cada 100 mil vínculos empregatícios, em média.
Reflexo radical desse processo de precarização também pode ser verificado no âmbito da “escravidão moderna”. “A legalização da terceirização irrestrita, permitida com a reforma trabalhista de 2017, favorece as possibilidades da expansão da escravidão contemporânea”, explicou a pesquisadora Marcela Soares, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), em entrevista concedida ao site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz, no final do ano.
Ela argumentou que com a reforma trabalhista, “houve a legalização de práticas ilegais que já existiam, como o negociado com empregador se sobrepor à lei e a terceirização para a atividade fim. A terceirização irrestrita é algo terrível e que tem corroborado com aumento da escravidão contemporânea”.
Segundo ela, essa constatação está ligada ao fato de que, entre 2017 e 2022, mesmo com a diminuição dos recursos por parte do governo federal para a fiscalização da escravidão contemporânea, houve um aumento de 300% no número de pessoas resgatadas, de acordo com dados do Ministério do Trabalho.
Trabalho intermitente no STF
A reforma possibilitou, ainda, a criação do trabalho intermitente — quando o trabalhador presta serviço à empresa apenas quando solicitado, recebendo proporcionalmente para isso. Essa situação cria insegurança tanto do ponto de vista dos direitos trabalhistas não assegurados quanto à sustentação material dessas pessoas.
Três ações diretas de inconstitucionalidade sobre a regra estão na agenda de votações do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (29). Os questionamentos foram apresentados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) e por federações dos empregados em postos de combustível (Fenepospetro) e de trabalhadores de empresas de telecomunicações (Fenattel).
Iniciado em 2020, o julgamento tem dois votos a favor e dois contra esse tipo de trabalho. O relator, ministro Edson Fachin, considerou a modalidade inconstitucional por trazer vulnerabilidade para o trabalhador. Os ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes divergiram.
Em 2022, o julgamento foi retomado e a então ministra Rosa Weber acompanhou Fachin, com ressalvas. Em seguida, o ministro André Mendonça solicitou destaque, suspendendo novamente o julgamento, que agora pode finalmente ser concluído.
“Sem a garantia de que vai ser convocado, o trabalhador, apesar de formalmente contratado, continua sem as reais condições de gozar dos direitos que dependem da prestação de serviços e remuneração decorrente, sem os quais não há condições imprescindíveis para uma vida digna”, destacou Fachin em seu voto, em 2020.
Para ele, a regra não concretiza o princípio constitucional da dignidade, promovendo “a instrumentalização da força de trabalho humana e ameaçando, com isso, a saúde física e mental do trabalhador, constituindo-se norma impeditiva da consecução de uma vida digna”.