O presidente Lula não é o único que deve agradecimentos ao hacker Walter Delgatti. A “Vaza Jato”, claro, permitiu a correção das injustiças e abriu as portas ao retorno do petista ao Palácio do Planalto, mas não só. Os vazamentos das conversas dos procuradores da República de Curitiba caíram como uma luva para quem buscava um pretexto para camuflar sua responsabilidade na mistificação de um projeto político-econômico-partidário disfarçado de combate à corrupção. Convenhamos: os desmandos de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e associados eram por demais evidentes, dispensavam a bisbilhotagem de Delgatti. Só não viu quem não quis. E não foram poucos, de juízes coniventes a meios de comunicação parceiros, jornalistas carreiristas, que trocaram a honra por 15 minutos de fama como taquígrafos da força-tarefa, e todos aqueles incapazes de vencer Lula e o PT no voto.
No auge da Lava Jato, quando Moro havia sido elevado à condição de santo da moralidade, três vozes remaram contra a maré e nunca abandonaram os princípios basilares do jornalismo: esta revista, abrigo das reportagens de Marcelo Auler, e os portais de Luís Nassif e Paulo Henrique Amorim, que faz muita falta. Todos pagaram um preço por manter a coerência e o senso crítico.
A “Vaza Jato” teve, para muitos, o efeito da libertação do jugo nazista na Europa. Colaboracionistas tornaram-se, de repente, adversários ferozes da força-tarefa. Quem havia silenciado nos momentos mais críticos soltou a voz nas estradas contra as ameaças ao Estado de Direito. Dois dos esportes favoritos voltaram à moda e revelaram novos campeões nacionais: o chute no cachorro morto e o esqueçam o que escrevi. Um famoso jornalista, com quase 60 anos de profissão, não teve pudor em perguntar: como a imprensa se deixou enganar por Moro? Um lenço, por favor.
A corrupção de quem prometia combater a corrupção foi exposta, mas o completo entendimento da tramoia urdida além dos gabinetes obscuros de Curitiba ainda não foi alcançado. Em A Conspiração Lava Jato, seu novo livro, lançado pela Editora Contracorrente, Luís Nassif vasculha o passado recente, encadeia fatos e radiografa o comportamento das instituições em busca de respostas. Os capítulos e os tópicos funcionam como peças de um quebra-cabeça, partes de um mosaico. Das várias obras lançadas para marcar os 10 anos da operação, esta é a que mais se aproxima de uma investigação abrangente a respeito das motivações e das consequências dos delírios de poder do ex-juiz e da malta de procuradores inescrupulosos, servis a interesses externos. Ao fim da leitura, descortina-se o panorama do “suicídio coletivo” do Brasil, como define Nassif na introdução.
Publicado na edição n° 1326 de CartaCapital, em 04 de setembro de 2024.