Criados com o objetivo primordial de garantir rendimentos dignos e um plano de assistência a trabalhadores de empresas estatais após a aposentadoria, os quatro maiores fundos de pensão do Brasil acumularam ao longo de décadas saldos bilionários. Em inúmeras ocasiões, as poderosas carteiras de investimento de Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Postalis (Correios) foram usadas com mais ou menos pudor durante governos de diversos matizes para alavancar projetos variados, nem sempre com sucesso. Agora, a polêmica utilização das fundações voltou a ser tema de discussão após duas novidades mexerem com o setor.
O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reuniram as direções dos quatro grandes fundos para pedir a retomada dos investimentos em projetos de infraestrutura, em especial naqueles previstos no Programa de Aceleração do Crescimento. O governo havia finalmente dado o primeiro passo para tirar do sufoco o Postalis, ameaçado de insolvência por causa de um rombo de 15,2 bilhões de reais provocado, justamente, por um período de péssima gestão de investimentos que atravessou os três governos anteriores.
A transferência de 7,6 bilhões de reais ao Postalis, feita pela direção dos Correios, adia por ao menos uma década a falência iminente, que, nas condições atuais das contas, ameaçava assombrar os associados em 2026. No entanto, a segunda metade do rombo ainda não foi sanada e, segundo a mesma lei, caberá aos trabalhadores, aposentados e pensionistas.
O acordo entre Correios e Postalis faz parte do Plano de Equacionamento do Déficit em vigor desde dezembro do ano passado com o objetivo de equilibrar as finanças do Plano de Benefício Definido, que atende a dezenas de milhares de trabalhadores e sofreu a maior parte do prejuízo causado pela gestão fraudulenta dos recursos.
A direção dos Correios afirma que a dívida foi causada pela má gestão de investimentos por parte do BNY Mellon e que adota medidas judiciais para recuperar os recursos perdidos pelo banco. Além disso, a empresa afirma não haver necessidade de recorrer ao socorro do Tesouro Nacional.
O problema, diz Edgard Cordeiro, é a permanência das “duríssimas reduções nos benefícios” dos trabalhadores. “A primeira etapa, em novembro de 2023, veio com as alterações: na pensão por morte, reduzida para 50%, e no pecúlio por morte, que foi eliminado. A segunda etapa veio no holerite de fevereiro, com o aumento da contribuição extra para 23,21%, cobrada sobre o benefício mensal dos assistidos e pensionistas futuros.”
O integrante do Conselho Deliberativo do Postalis avalia que as medidas só serão amenizadas se houver a recuperação dos valores aplicados de forma fraudulenta pelo BNY Mellon, banco norte-americano contratado em janeiro de 2011 para ser o administrador e gestor dos recursos do fundo de pensão.
A desejada “força-tarefa” do governo para resolver a situação dos beneficiários do Postalis ainda não saiu do papel. Solicitada em outubro do ano passado pelo deputado federal Leonardo Monteiro, do PT, presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Correios e agora licenciado para concorrer à prefeitura de Governador Valadares (MG), a audiência pública sobre o tema que traria obrigatoriamente representantes do BNY Mellon à Câmara ainda não aconteceu.
Responsável por conduzir o acordo entre Correios e Postalis, a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, subordinada ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, esclarece que o instrumento de confissão de dívida e o plano de equacionamento de dívidas são alinhados às diretrizes do Conselho Nacional de Previdência Complementar, órgão regulamentador do regime de previdência complementar fechado.
Ex-presidente do Conselho Fiscal do Postalis, Fábio Conde avalia que o equacionamento da dívida foi fundamental para os beneficiários do plano, pois sem ele o PBD permaneceria insolvente. “Resolveu-se um problema que se arrastava há anos. O equacionamento, embora seja uma medida muito dura para todos, foi extremamente importante para a manutenção do PDB e, consequentemente, da aposentadoria de muitos beneficiários.”
Publicado na edição n° 1326 de CartaCapital, em 04 de setembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tempo para respirar’