O mais recente embate entre o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e o bilionário Elon Musk em torno do X (ex-Twitter) expõe a fragilidade do País para lidar com as redes sociais, devido à ausência de regulamentação. O risco de a Justiça suspender a plataforma no Brasil, porém, decorre da conduta da própria empresa.
A avaliação é de João Brant, secretário de Políticas Digitais da Presidência da República, em entrevista concedida a CartaCapital após Moraes intimar Musk a indicar um novo representante legal para o X no Brasil. Se o magnata não fizer isso nas próximas horas, o ministro pode determinar a interrupção do funcionamento da rede no Brasil, conforme decisão publicada na quarta-feira 28.
Em 17 de agosto, Musk anunciou o encerramento das operações de sua rede social no Brasil, em meio à sua ofensiva contra o STF. Na prática, significa que a plataforma continuou a operar no País, mas sem um representante legal.
A situação é sui generis: Moraes teve de divulgar a intimação por meio de um tuíte porque, ao que tudo indica, a companhia já não tem mais um escritório formal no Brasil — dez dias antes, nos autos, o magistrado tentou também intimar a advogada constituída no processo, sem sucesso.
Musk, por sua vez, não recua: nas últimas horas, provocou Moraes com o uso de inteligência artificial mesmo após tomar conhecimento da decisão do ministro. O empresário está ciente da chance de suspensão do X no Brasil e parece tensionar ao máximo a disputa — a se concretizar a dura medida judicial, ele reforçará seu discurso de suposta perseguição.
“O desenrolar dessa história é muito ruim para o cidadão brasileiro, porque demonstra a nossa fragilidade institucional para lidar com as plataformas digitais”, analisa João Brant. “Chamo de fragilidade a falta de um marco regulatório que defina as obrigações e faça com que a gente não tenha de ficar lidando com uma discussão no varejo sobre ordem judiciais.”
O secretário enfatiza que a responsabilidade pelo risco de o X sair do ar no Brasil é da empresa, mas se trata de um “resultado problemático” para a sociedade.
“É como se a gente estivesse diante de um cenário de chicana por parte da empresa”, resume Brant. “Ela estabeleceu uma insegurança para seus funcionários, porque os instruiu a não obedecer ordem judicial, e o resultado é ruim para a sociedade, ao correr o risco de perder o acesso a uma plataforma relevante, mas que não parece disposta a cumprir a legislação.”
Ele entende que o episódio reforça a necessidade de uma regulamentação efetiva das redes sociais, um desafio que a cúpula do Congresso Nacional não quer enfrentar. Em abril, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu criar um grupo de trabalho para discutir o tema, uma escolha protelatória que feriu de morte o PL das Fake News.
Com isso, recaiu sobre o STF a tarefa de se debruçar sobre o assunto, embora em outros termos. Há, por exemplo, um processo sob a relatoria do ministro Dias Toffoli que trata do artigo 19 do Marco Civil da Internet, a dispor sobre as circunstâncias em que um provedor pode ser responsabilizado por postagens de internautas.
Na semana passada, Toffoli e os colegas Luiz Fux e Edson Fachin liberaram para julgamento três ações relacionadas ao Marco Civil e a plataformas digitais. Cabe ao presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, acatar ou não o pedido dos ministros de analisar as ações em conjunto. Ainda não há data definida para o julgamento, mas tudo indica que ocorrerá ainda neste semestre.
“Se você quer operar aqui, tem de ter sede no Brasil”, sintetiza João Brant. “Com isso. vem uma série de obrigações sobre como lidar com conteúdos Ilegais, por exemplo. Ou seja, regras claras e democráticas são importantes para todo mundo: para as empresas, para o poder público e para os usuários.”
O secretário também disse não temer potenciais impactos negativos sobre o governo Lula (PT) na arena política em caso de queda do X no Brasil. A oposição bolsonarista, por sua vez, tende a apostar cada vez mais na versão de que haveria uma “tabelinha” entre União e STF para impedir o funcionamento da rede de Musk, na qual a extrema-direita corre solta.
A intimação ao X previa a obrigatoriedade de nomear um representante legal no Brasil até a noite desta quinta-feira 29. O tempo voa e, até agora, Elon Musk não deu qualquer sinal de que se dobrará à ordem do Supremo.
Leia o mandado assinado por Alexandre de Moraes: