A Esquerda não aprendeu com os erros de 2018

por João Pedro Silva

Nos estudos em Comunicação, o termo “agenda pública” se refere, basicamente, à pauta predominante numa sociedade, em um determinado período. Ou seja, trata-se do principal assunto a ser comentado nas conversações cotidianas.

Durante décadas, a agenda pública era pautada pelos grandes grupos midiáticos. Isso não significa que a imprensa hegemônica tivesse o poder de definir sobre “como as pessoas deveriam pensar”; mas sobre “o que elas vão debater”. No entanto, com o surgimento da internet, sobretudo com as redes sociais, os poderosos veículos de comunicação perderam o monopólio de ditar a agenda pública.

No processo eleitoral de 2018, por exemplo, a chapa de extrema direita, encabeçada por Jair Bolsonaro, ditou a agenda da campanha. Naquele pleito – diferentemente dos anteriores, quando se discutia o maior ou menor papel do Estado – a chamada pauta dos costumes foi a grande temática. Assim, a extrema direita pôde divulgar todo tipo de fake news sobre uma provável vitória do progressismo “ameaçar os tradicionais valores da família cristã brasileira”.

Por outro lado, a principal chapa de esquerda, composta por Fernando Haddad e Manuela d’Ávila, ao invés de denunciar Bolsonaro como representante da agenda neoliberal (repudiada nas urnas nas eleições anteriores), mordeu a isca da extrema direita e também direcionou sua propaganda para a pauta dos costumes. O principal símbolo dessa empreitada foi o movimento “Ele Não”, que trouxe como efeito colateral o aumento da rejeição da esquerda entre os eleitores.

Evidentemente, esse não foi o único motivo da vitória de Jair Bolsonaro; mas não há como negar sua contribuição. A meu ver, o ex-capitão do exército só chegou ao Planalto pelo fato de o político mais popular do país (Lula) não ter disputado a eleição presidencial de 2018.

Nos quatro anos de (des)governo Bolsonaro, o “mito” continuou a pautar a agenda pública. Seu mandato sucateou todas as áreas possíveis: saúde, educação, cultura e economia. Mas só se falava nas bravatas do presidente e de seus ministros da (midiaticamente denominada) “ala ideológica”.

A estratégia de colocar a pauta dos costumes no centro da agenda pública foi retomada na eleição presidencial de 2022. Só que, dessa vez, o adversário de Bolsonaro era Luiz Inácio Lula da Silva.

Nascido na classe trabalhadora, Lula conhece os anseios do povo. Não mordeu a isca da extrema direita. Debateu o que realmente interessa: questões materiais. Sua metáfora sobre o “povo voltar a comer picanha” foi direto ao assunto. De um lado, estava um projeto de inclusão social. De outro lado, um projeto de poder que visava beneficiar somente os setores economicamente privilegiados.

Então chegamos a 2024, e a disputa pela prefeitura de São Paulo tem colocado frente a frente, mais uma vez, esquerda e extrema direita.

É claro que uma eleição municipal é muito diferente de um pleito nacional; Pablo Marçal não é Bolsonaro (é mais “bolsonarista” ainda do que o inelegível) e Boulos e PSOL não são Lula e PT (haja vista que o atual deputado federal e seu partido possuem suas bases eleitorais na classe média, e não na classe trabalhadora).

No entanto, mesmo com essas diferenças, é possível visualizar traços da chamada “polarização” na campanha paulistana.

Como não tem propostas, Marçal aposta no caos em sua propaganda. Perto dele, as fake news, provocações a adversários, cortes tendenciosos nas redes sociais, engajamento de robôs, discursos messiânicos e posturas (supostamente) antissistema dos bolsonaristas tradicionais parecem brincadeira de criança. Não por acaso, em texto anterior, parafraseando Vladimir Lenin, eu apontei que o marçalismo é a fase superior do bolsonarismo.

Por sua vez, a campanha de Guilherme Boulos, mais perdida do que a de Haddad em 2018, tem apresentado traços típicos da esquerda cirandeira. Não denuncia Marçal como nome a serviço dos interesses do mercado (portanto, contra a imensa maioria da população) e, não bastasse a postura de não-enfrentamento, recorre a slogans inócuos, frases prontas e trocadilhos previsíveis.

Além disso, um comício de Boulos, no último final de semana, que contou com a presença do presidente Lula, foi marcado pela alteração da letra do Hino Nacional para a linguagem neutra. Uma espécie de “Ele Não 2.0”.

Desnecessário dizer este acontecimento deu grande munição para políticos e imprensa de extrema direita. Nem Marçal pensaria em forjar algo tão impactante assim para impulsionar (ainda) mais sua campanha.

Não se trata de frase de coach picareta (desculpem o pleonasmo), mas, uma das lições básicas do jogo político é aprender com os próprios erros. Lula, Homo Politicus, no melhor sentido do termo, compreende isso muito bem. Mas, infelizmente, parte considerável da esquerda brasileira ainda repete os mesmos equívocos de 2018.

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João Pedro Silva é doutor em Geografia pela Unicamp e especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu.

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Última Atualização: 29/08/2024