Um artigo escrito pelo semanário britânico The Economist traduzido pelo Estado de S. Paulo e publicado com o título Kamala Harris pode derrotar Donald Trump, mas como seria um governo dela?, traz uma análise da candidatura da atual vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, oficialmente candidata do Partido Democrata às eleições previstas para o mês de novembro. A análise é carregada de elogios e críticas brandas, tenta disfarçar o apoio descarado a Kamala Harris, a nova queridinha da burguesia internacional. A matéria apresenta um entusiasmo em relação à candidatura de Harris, enaltecendo-a principalmente por aquilo que ela não é, como no texto abaixo:

“Kamala não é uma daquelas cuja carreira revela um conjunto de convicções profundas ou um núcleo interno de crenças. Em vez disso, como Biden, ela se posiciona ligeiramente à esquerda do centro de seu partido e se ajusta conforme ele evolui. Pior do que ele, suas políticas envolvendo a economia e as relações exteriores parecem não ter âncora [grifo nosso]. O pragmatismo tem suas virtudes em um político.”

Após um malabarismo feito sob medida para torná-la palatável à esquerda e impulsionar a campanha do “mal menor”, o semanário britânico destaca o que certamente é visto como uma das melhores qualidades de Harris, justamente o fato de não ter uma base social sólida, estando livre para servir ao imperialismo. A matéria afirma que Harris é uma “incógnita política”, mas deixa claro que a falta de clareza nas políticas de Harris é uma vantagem tática, revelando, na realidade, a ausência de um compromisso real da candidata democrata com as necessidades das massas oprimidas.

Dessa constatação, deriva-se outra, indicando que tal característica torna Harris particularmente útil para estelionatos eleitorais, o que é dito de forma atenuada no trecho a seguir:

“Prometer subsídios de US$ 25.000 deve ajudar os compradores do primeiro imóvel a pagar por uma propriedade. No entanto, a menos que ela também tenha sucesso em seu plano de aumentar a oferta de moradias — uma tarefa difícil — os subsídios farão aumentar os preços das casas. Suas propostas para aumentar os créditos fiscais para crianças, dos atuais US$ 2.000 para US$ 6.000 durante o primeiro ano de vida, de fato reduziriam a pobreza infantil. Mas, quando o déficit orçamentário dos Estados Unidos é de 7% do PIB, sua falha em financiá-lo por meio de impostos seria precipitada e inflacionária (nós a escolheríamos apenas como uma alternativa à gastança ainda mais selvagem de Trump).

Pode parecer injusto criticar Kamala por ser parcimoniosa em relação às suas políticas. Sua tarefa primordial é derrotar Trump, e é uma tarefa vital na qual astúcia e malícia são permitidas [grifo nosso]. Para o bem ou para o mal, a campanha política geralmente envolve encontrar questões polêmicas para agitar sua base eleitoral. Se os estudos e os montes de propostas políticas fossem o segredo do sucesso eleitoral, Hillary Clinton não teria perdido em 2016.”

A crítica de The Economist à falta de “profundas convicções” em Harris é, na realidade, uma manobra para tranquilizar a burguesia de que, suas propostas eleitorais nada são além de “astúcia e malícia”. Caso eleita, a falta de convicções facilitará o caminho de enquadrá-la aos interesses imperialistas.

Da mesma forma, sua alegada flexibilidade política é, na verdade, uma disposição para se ajustar às demandas dos monopólios e dos interesses imperialistas. Ao rotulá-la como “pragmática”, a revista britânica se alinha com uma visão que considera necessário o uso inescrupuloso da demagogia eleitoreira. Essa característica é retomada no parágrafo:

“O pragmatismo tem suas virtudes em um político. Trump pode chamar Kamala de comunista, mas ela não é uma ideóloga. Suas posições como candidata nas primárias em 2019 incluíam assistência médica de pagador único, proibição ao fracking e descriminalização da travessia ilegal da fronteira. No entanto, a maneira como Kamala abandonou tudo isso em 2024 sugere que nada disso era para valer.”

Ao sugerir que Harris é uma candidata aceitável porque não desafia os “livres mercados”, a revista nada mais faz do que endossar a continuidade da exploração imperialista, a pilhagem dos recursos naturais e a opressão dos povos. Além disso, The Economist sugere que Harris poderia ser uma presidente que representará a “continuidade” nas políticas externas e ambientais iniciada com Biden, uma colocação que deixa às claras que a exploração dos povos oprimidos e a guerra contra as nações atrasadas em todo o mundo continuam sendo a prioridade da política imperialista.

Neoliberal na política externa e belicista na política externa, a conclusão da matéria reflete o desespero da burguesia internacional em encontrar uma figura capaz de manter a estabilidade do regime imperialista em meio à crise histórica do sistema, atualmente, em franca decadência. Ao destacar que a principal tarefa de Harris é derrotar Trump, The Economist demonstra a preocupação não com os trabalhadores ou um apaziguamento dos enfrentamentos, mas com a manutenção do poder em um momento pouco propício para se permitir que o controle da máquina do Estado norte-americano enfraqueça.

Se existe um mal menor na campanha presidencial norte-americana, certamente não é Kamala Harris, a candidata dos monopólios e do imperialismo. Ela é, na verdade, a escolha preferida do setor mais poderoso da burguesia norte-americana para manter intactas as estruturas de dominação e opressão que perpetuam a miséria e a exploração dos povos em todo o mundo.

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Última Atualização: 25/08/2024