Escolhida para sediar o maior evento climático do mundo em 2025, Belém enfrenta uma disputa acirrada para eleger o prefeito que vai recepcionar a COP-30, a conferência da ONU para o meio ambiente, encontro previsto para acontecer em novembro do próximo ano. E há uma chance nada desprezível de a cidade estar sob o comando de um adversário da floresta. Segundo as pesquisas recentes, o atual prefeito, Edmilson Rodrigues, do PSOL, disputa uma vaga no segundo turno com o deputado estadual Igor Normando, do MDB, primo do governador do Pará, Helder Barbalho. Um dos dois enfrentaria o Delegado Éder Mauro, do PL, aliado de Jair Bolsonaro, negacionista ambiental e amigo dos madeireiros do estado.

Rodrigues escora-se no apoio, ainda acanhado, do presidente Lula. Normando vale-se do capital político do governador, motivo pelo qual experimenta um crescimento substancial nas intenções de voto. De acordo com uma sondagem do Instituto AtlasIntel de 15 de agosto, o candidato do MDB lidera a corrida com 38,8% dos votos, empatado tecnicamente com o bolsonarista, que tem 36,9%, ambos bem à frente do psolista (16,4%). No DatafoIlha divulgado quatro dias antes, Normando e Rodrigues estão com 21,5% e 20,1%, respectivamente, à frente de Mauro, que aparece com 18,3%. No início do mês, a empresa 100% Cidades, em parceria com a Futura Inteligência, divulgou um levantamento no qual Mauro registra 30,7%, Normando 19,2% e Rodrigues 14%, números bem próximos aos apurados por outros institutos no fim de julho.

O eleito vai comandar a cidade durante a COP-30, principal evento climático do planeta

Único filiado do PSOL à frente de uma capital, Rodrigues é uma das prioridades do partido, que também aposta alto na campanha de Guilherme Boulos em São Paulo. O prefeito enfrenta, no entanto, muitos obstáculos para se consolidar na disputa, até por conta da rejeição – 54,8%, segundo o Cidades/Futura Inteligência, 77%, conforme a AtlasIntel. “Não posso ser contra a pesquisa porque seria um negacionismo científico. Eu acredito na ciência, acredito na estatística, na pesquisa seriamente feita, elas dão resultados próximos da realidade. Mas já estamos vendo uma queda da rejeição, o clima está muito positivo para a retomada do crescimento e do apoio popular que sempre tivemos. Vamos avançar na nossa campanha, mostrar as realizações, que são muitas. Ao mesmo tempo, mostrar que vamos fazer muito mais. Teremos um tempo que não é dos maiores, mas são dois minutos pela manhã e dois à tarde para expor o que temos feito”, afirma Rodrigues.

Eleito em 2020 para o terceiro mandato, depois de ter administrado a cidade entre 1997 e 2004, quando era filiado ao PT, Rodrigues cita ao menos três motivos que lhe renderam esse alto índice de rejeição: um problema crônico de limpeza urbana, o enfrentamento à pandemia de Covid-19 e o boicote do governo Bolsonaro. “Optei por investir em vidas humanas, transformar Belém numa referência em vacinação e em assistência aos infectados. Para isso, gastamos acima do orçamento, mas fiz isso conscientemente, porque a vida era mais importante”, diz o psolista. O prefeito justifica os atrasos na coleta de lixo pela decisão de suspender o contrato após a descoberta de irregularidades. “Belém estava submetida a uma verdadeira máfia do lixo. Enfrentamos 19 ações e derrotamos todas. A cidade ficou 15 anos com um contrato superado, eram feitas prorrogações, aditivos, e o dinheiro público gasto com empresas que recebiam sem licitação. E aí, como prefeito, passei como culpado pelo lixo acumulado. A população ficava sem entender por que não havia uma solução imediata, mas não era possível continuar a gastar dinheiro público para enriquecer empresas que não tinham qualquer compromisso com o município. Confesso que isso me incomodava e, com muita humildade, até peço desculpas por uma culpa que não tenho.”

Embate. Normando é primo do governador Hélder Barbalho. Rodrigues tenta a reeleição em um cenário difícil – Imagem: Redes sociais

Há quatro meses, o problema do lixo foi resolvido, a coleta voltou a acontecer e algumas ações buscam normalizar a limpeza urbana. “Tivemos muita dificuldade por conta da total falta de investimento em Belém durante o governo Bolsonaro, por nos considerar um adversário político”, ressalta Paula Coradi, presidente nacional do PSOL. O cientista político Carlos Augusto Souza, professor da Universidade Federal do Pará, acredita que outro fator que deve ter influenciado na rejeição de Rodrigues é a comparação com os dois governos anteriores, muito bem avaliados. “A população tem na memória as gestões anteriores, que foram bem-sucedidas. E, agora, não houve nenhum tipo de avanço na cidade.” Além de convencer o eleitorado em tão pouco tempo a reelegê-lo, Rodrigues precisa enfrentar a força do clã Barbalho, a turbinar o palanque familiar de Normando. “Nossa maior dificuldade é enfrentar o coronelismo”, afirma Coradi.

O governador é muito bem avaliado no estado. Não bastasse, o pai, Jader Barbalho, é senador, e o irmão, Jader Barbalho Filho, é o ministro das Cidades, importante fonte de recursos para os projetos municipais. “Ser parente é um mero detalhe, até porque eu não entrei na vida pública agora. Foi por causa do meu trabalho e da minha competência que o governador me convocou para ser secretário de Cidadania e coordenar o maior programa de inclusão social de todo o Brasil: as Usinas da Paz”, responde Normando. “Respeito muito o campo progressista, mas compreendo que Belém precisa respirar um novo tempo. Infelizmente, o prefeito atual não tem correspondido aos anseios da sociedade. Nosso objetivo agora é oferecer uma alternativa e que, ao fim das eleições, possamos ter um diálogo muito aberto com o governo federal e o presidente Lula, para que a gente possa trazer mais benefícios para a nossa cidade e fazer Belém crescer no mesmo ritmo do Pará.”

Rodrigues e Normando disputam uma vaga no segundo turno contra o candidato bolsonarista

Mauro, por sua vez, faz do negacionismo um modo de vida. Na Câmara, votou e continua a votar contra qualquer projeto de defesa do meio ambiente. Sua agenda inclui o estímulo ao garimpo na Amazônia, a regulamentação de atividades econômicas em terras indígenas, a ampliação da posse de armas no campo, a flexibilização do licenciamento ambiental e a liberação de agrotóxicos. É autor de dois nefastos projetos de lei nessa linha. Um franqueia a órgãos municipais o poder de emitir o licenciamento ambiental de lavras de pequeno porte. O outro autoriza o garimpo em reservas extrativistas. Em julho, a respeito da conferência da ONU na cidade, respondeu: “Não estou nem um pouco preocupado com a questão”. O desdém pegou mal, até por causa do volume de investimentos destinados ao município para sediar o evento. Desde então, o delegado passou a negar o epíteto de inimigo do ambiente e tenta se apresentar como o “prefeito da COP”. O candidato não atendeu aos pedidos de entrevista.

“A gente tem muita confiança no trabalho feito pelo Edmilson. Nossa estratégia é mostrar que nem o bolsonarismo é a saída, muito menos o Igor Normando, representação da velha política”, dispara Coradi. “O Edmilson tem chance ainda, porque começou a inaugurar obras e pode reverter esse quadro de desgaste. Agora que começou a campanha de rua, vai ter a propaganda na televisão, acho que ainda tem alguma margem de crescimento”, avalia Souza. “Mas o governador é um personagem importante na política paraense, teve a maior votação proporcional em 2022, ganhou no primeiro turno e tem um capital político robusto em razão da COP, o que representa uma força grande na campanha do primo. As projeções são de crescimento da candidatura de Normando”, acrescenta o cientista político. “Quanto a Mauro, acho que ele chegou no limite da projeção de votos, mas deve ir para o segundo turno. Quem for com ele tem, no entanto, grande chance de ser o vencedor, porque ele não agrega mais votos.” Em um eventual segundo turno entre Mauro e Rodrigues, indica a AtlasIntel, o bolsonarista teria 43% e o prefeito 38,1%. Se a disputa fosse entre Mauro e Normando, o emedebista venceria com 49,8%, contra 38,1% do deputado negacionista. •

Publicado na edição n° 1325 de CartaCapital, em 28 de agosto de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Se a floresta votasse…’

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Última Atualização: 22/08/2024