Por Rodrigo Fernandes – Repórter da Agência Brasil – Brasília

A Comissão de Anistia reconheceu nesta quarta-feira (21) um caso de “perseguição reflexa” durante a ditadura civil-militar (1964/1985), pedindo desculpas, em nome do Estado brasileiro, ao filho de um anistiado político que receberá uma indenização pelo sofrimento durante a infância.

Vladmir Marco de Araujo tinha 9 anos de idade quando, em 1964, policiais invadiram sua casa e levaram seu pai, o sargento reformado Antônio Horlandino de Araújo. Indiciado, Horlandino foi julgado pela Justiça Militar e passou 2 anos preso, com prejuízos pessoais e para toda a família.

“A perseguição do pai está configurada”, afirmou a conselheira Vanda Davi Fernandes de Oliveira, responsável por analisar o pedido de Vladmir, apresentado à comissão em março de 2012. Conforme a conselheira lembrou em seu voto, Horlandino foi declarado anistiado político em 2009, quando já tinha falecido. Na época, além de um pedido de desculpas formal, a família do ex-militar recebeu do Estado brasileiro uma reparação econômica pelos três anos de perseguição política a Horlandino.

“Estou considerando a perseguição reflexa ao requerente [Vladmir] neste mesmo período já reconhecido para seu pai”, justificou a conselheira em seu voto, seguido pelos demais conselheiros, que aprovaram que Vladmir seja reconhecido anistiado político e, nessas condições, receba um pedido formal de desculpas do Estado brasileiro e uma indenização equivalente a 90 salários mínimos, o que totaliza cerca de R$ 127 mil, respeitado o teto legal de R$ 100 mil.

Poeta

Na mesma sessão, a comissão concedeu, por unanimidade, anistia política e oficializou o pedido de desculpas ao jornalista e poeta Luiz Artur Toribio, o Luis Turiba, que também será indenizado. Tal como no caso de Vladmir e Horlandino, os conselheiros destacaram que Turiba apresentou farta documentação que comprova que foi perseguido por razões políticas entre outubro de 1970 e junho de 1987.

Militante do movimento estudantil e ex-membro do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ele foi impedido de terminar seus estudos na Escola Técnica Nacional Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ). Posteriormente, foi preso, acusado de participação em “atividades subversivas” e torturado física e psicologicamente nas instalações do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), órgão de repressão subordinado ao Exército.

Julgado pela Justiça Militar, foi condenado a 6 meses de prisão, e seguiu monitorado pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) “até meados da década de 1980”, conforme declarou a presidente da Comissão de Anistia, Enéa de Stutz e Almeida, ao ler o voto que acatou o pedido de Turiba.

“Agradeço a decisão. Acho que sou mais um que se sente justiçado. É um ciclo da vida que se fecha, dando-me a oportunidade de me orgulhar de tudo o que fiz”, declarou o poeta, presente à sessão. “Este pedido de desculpas por parte do Estado brasileiro, um Estado que foi policialesco, perseguidor, torturador, me dá mais força para continuar lutando pela democracia, pelo Estado de Direito”, acrescentou o poeta antes de ler um de seus poemas, Tortura.

“Levanta-se o véu e rasga-se a túnica / Os corvos ainda bicam o que restou de ti / Uma dor cicuta que espiral perdura / ….tortura… / O teu silêncio cobrado em preço físico / O teu algoz agora também teu karma / Tua voz teu suspiro e teu fantasma / Quem içou o dia e eternizou o cinza / Um Deus raivoso fez habitat às sombras / Tiras o capuz e o que vês? Abismos…/ Jagunços a conspirar em cadafalsos / _ Ora Senhor! Não se trata bandidos a bombons! / Meu Deus! Meu Deus! Será que vira calabar? / Nunca serás mais o que antes eras / Se o corpo resistiu, o espírito tem chagas / Marcado como gado a ilusão tritura / …..tortura…….”, declamou Turiba, visivelmente emocionado.

A comissão negou, na quarta-feira (21), oito pedidos de anistia. O colegiado segue reunido, em Brasília, nesta quinta-feira.

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Última Atualização: 22/08/2024