Se o carisma de Silvio Santos é inegável, tendo levado alegria para as casas de milhares de brasileiros, também é inegável o triste cenário da absurda concentração de mídia no Brasil e o histórico de donos de TVs aliados ao poder político, incluindo a Ditadura Militar. Com uma programação pouco plural, preconceituosa, sem regulação, na qual vale tudo por audiência, pelo poder e, obviamente, na qual seus donos topam tudo por dinheiro, a nossa mídia é marcada pelo desrespeito às leis e por relações escusas nas aquisições das concessões.
E falando em relação escusa, vamos ao primeiro ponto: a aliança da ditadura com a grande mídia.
A aliança entre parte da grande mídia e a ditadura já é um fato amplamente conhecido. A Globo, por exemplo, já admitiu o fato e pediu desculpas pelo “erro”. Mas não foi só a Globo; outros veículos também tiveram uma forte relação e se beneficiaram com o regime militar, conhecido pela censura, violência e perseguição aos seus opositores. Para a ditadura prosperar, esconder o sangue nos seus porões e a corrupção latente do regime, uma relação de apoio recíproco com a mídia era fundamental, e aí voltamos a Silvio Santos e sua também forte relação com os militares.
Nossa vez de “pedir ajuda aos universitários”.
Um artigo de um estudante da Universidade Federal do Rio de Janeiro e outro da Universidade Federal da Bahia mostra que, durante a ditadura, Silvio Santos obteve a concessão para um canal de televisão no Rio de Janeiro, constituindo, assim, a TVS. Ele já detinha 50% das ações da TV Record de São Paulo e programas em outras emissoras, por meio de aluguel da grade de programação, uma prática que é ilegal. E isso foi só o começo. Silvio Santos ainda teria muitas outras concessões ganhas durante o regime.
Sua relação pessoal com os militares, como afirma o jornalista e sociólogo Lalo Leal, fez com que o apresentador fosse escolhido por ser mais “dócil e submisso ao regime” que os concorrentes. Sua concessão iniciaria suas atividades diretamente do Ministério da Comunicação dos militares e, em pouco tempo, a TVS teria na sua grade de programação o programa “Semana do Presidente”.
Mas, afinal, o que é uma concessão pública de TV?
Entenda, Silvio Santos nunca foi dono de nenhum canal de TV. Nem ele, nem os Marinhos, nem Edir Macedo; eles ganharam uma concessão.
Explicando rapidamente: Os sinais de TV e rádio precisam passar pelo espectro eletromagnético, um espaço limitado que pertence ao povo brasileiro, ou seja, é um bem público. As empresas não são donas dos canais hospedados nesse espectro. Como é um espaço limitado, uma parcela mínima da população recebe uma autorização do Estado, muitas vezes de forma escusa, para poder usá-lo por um tempo determinado. São as chamadas concessões públicas de TV e rádio.
“Ma ôe”!
A Globo, o SBT, a Record, a Bandeirantes, a Rede TV!, a Jovem Pan, bem como seus proprietários, não são donos de nenhum canal. Eles têm uma concessão para utilizar o serviço por um tempo e segundo condições determinadas. Dentre elas, o respeito à Constituição Federal, às leis brasileiras e a outros tratados de que o país é signatário, mas que diariamente são desrespeitados no Brasil. Não vale, por exemplo, conteúdo misógino, LGBTfóbico ou racista escondido por trás de piadas, como já presenciamos nas telas do SBT.
Vamos voltar a Silvio Santos e partir para o segundo ponto: apoio a Bolsonaro.
A relação com presidentes não ficou no passado, com a ditadura. No caso mais recente, no governo Bolsonaro, recriou-se o programa “Semana do Presidente”, uma versão do antigo programa da época da ditadura, mas seu formato tão tendencioso fez com que a ideia fosse suspensa.
Mas, antes disso, em 2018, ano da eleição de Bolsonaro, o SBT exibiu vinhetas absurdas com as cores da bandeira do Brasil e até o antigo slogan da ditadura, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, foi reutilizado na emissora.
Terceiro ponto: o apoio alarmista à Reforma da Previdência.
Falando em apoio a presidentes, não podemos esquecer as propagandas da emissora de Silvio em defesa da reforma da previdência de Temer. Vinhetas alarmistas e extremamente tendenciosas eram parte constante da programação do SBT. Foram exibidas mensagens como: “Você sabe que se não for feita a reforma da Previdência você pode deixar de receber o seu salário?” e “Você sabe que o Brasil quebra se não aprovar a nova lei da Previdência?”.
Vamos ao nosso quarto ponto: interesses econômicos e o ataque ao Teatro Oficina.
No Brasil, um país com uma mídia tão concentrada, uma concessão de rádio e TV é sinônimo de muito poder. A Constituição Federal, em seu artigo 220, diz que os meios de comunicação social não podem ser objeto de monopólios e oligopólios, mas o poder dos donos da mídia é tão grande que nem a Carta Magna é respeitada. O sistema de radiodifusão no Brasil sempre teve esse caráter monopolista e, ao contrário de países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Espanha, Portugal, França, Japão, Suécia e muitos outros, o Brasil não tem uma regulação.
É nesse cenário que os negócios envolvendo essas emissoras vão muito além da TV. Seja no agronegócio, nas igrejas, no mercado financeiro ou nos empreendimentos imobiliários, seus donos sempre usam, de forma extremamente tendenciosa, suas emissoras para defender seus negócios e influenciar a política. As fraudes no Banco Panamericano, que foi o braço financeiro do Grupo Silvio Santos, são só um exemplo.
“Silvio Santos vem aí!”
Em outro negócio, Silvio Santos fez um ataque direto ao Teatro Oficina, no Centro de São Paulo, querendo construir grandes torres de até 100 metros de altura ao lado do prédio do teatro. Feito por Lina Bo Bardi em 1992, o teatro foi incluído no Livro do Tombo das Belas Artes pelo Iphan em 2010.
Mas quem sempre quer dinheiro não liga se seus negócios atrapalham a cultura, o direito à cidade e a preservação ambiental. Silvio Santos tentou a todo custo continuar com seu projeto, travando uma luta com Zé Celso. O dramaturgo resistiu por mais de 40 anos para tentar impedir que o Grupo Silvio Santos construísse os prédios e descaracterizasse o teatro e para aprovar o projeto de lei que institui o Parque do Rio Bixiga nos entornos do Oficina.
“Você está certo disso?”
Infelizmente, sim, e do triste legado que os donos da mídia, majoritariamente brancos e ricos, deixaram e continuam perpetuando na TV e no rádio, ainda influenciando significativamente os temas e pautando a sociedade.
Seja nos seus ataques aos movimentos sociais, seja na defesa de negócios escusos de seus donos, o sistema de TV brasileiro não cumpre seu papel social e é usado para defender os interesses de quem detém seu controle, mesmo que a altos custos para a democracia e a felicidade do povo brasileiro.