Com a volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao poder desde o início do ano passado, o debate no país tem sido marcado por uma discussão contínua sobre até que ponto o governo deve ou não aumentar seus gastos.
De um lado, defensores de uma política de austeridade clamam por uma redução nos gastos. Do outro, há uma demanda por ampliação de recursos para combater disparidades sociais, sem que necessariamente se perca o controle das contas públicas.
Na prática, o investimento do governo Lula em áreas sociais foi mais baixo do que o esperado no primeiro semestre deste ano. A conclusão é do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que divulgou, nesta terça-feira 20, o “Balanço semestral do Orçamento da União: janeiro a junho de 2024”.
A pesquisa foi realizada com base nos dados da execução orçamentária da União em nove áreas, incluindo educação, meio ambiente, igualdade racial e direito à cidade, entre outras.
Para o Inesc, ainda há tempo para o governo retomar o patamar desejado de investimentos públicos, mas o quadro é preocupante, pois grande parte das políticas públicas requer gastos contínuos, de modo a evitar interrupções ou atrasos nos atendimentos.
No primeiro semestre, o governo acumulou um déficit primário de 68,69 bilhões de reais. O número negativo foi registrado mesmo com um aumento de 8,5% na receita líquida, em comparação com o mesmo período do ano passado. Não se trata, portanto, de uma diminuição de despesas.
Defasagem em diferentes áreas
Para realizar o levantamento, o instituto comparou o orçamento previsto para este ano no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027 e o quanto foi gasto efetivamente até junho. Os dados são públicos e constam na plataforma Siga.
O caso da educação é especialmente preocupante, segundo o Inesc. Apesar de a maioria dos programas terem registrado gastos proporcionais nos primeiros seis meses do ano, apenas 20,8 milhões de reais dos 342 milhões disponibilizados para a educação de jovens e adultos foram executados. O valor efetivamente investido representa meros 6% do total que deveria ter sido utilizado.
Outro destaque é a área de meio ambiente. Os órgãos de fiscalização, por exemplo, foram praticamente desmantelados durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas, ainda assim, nenhum centavo foi utilizado do Fundo Nacional de Meio Ambiente, que tem previsão orçamentária de 4,3 milhões de reais.
O Inesc também analisou a implementação de Geração Distribuída (GD) de energia pelo governo federal. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, por exemplo, concentra as ações sobre o tema e tem 2,43 milhões de reais para investir. Nada, porém, foi utilizado no primeiro semestre.
O instituto ainda destaca o baixo investimento em um programa específico para os povos indígenas. Trata-se da ação “Regularização Fundiária, Proteção e Gestão dos Territórios Indígenas”, que tem um orçamento autorizado de 315 milhões de reais, mas, no primeiro semestre, apenas 28,8 milhões foram utilizados.
Na mesma área, o programa “Governança fundiária, reforma agrária e regularização de territórios quilombolas e de povos e comunidades tradicionais”, que pode utilizar 144,3 milhões de reais este ano, usou ínfimos 3,4 milhões de reais no primeiro semestre.
De acordo com o Inesc, “a distância entre recursos empenhados e os efetivamente pagos sinaliza dificuldades estruturais para a realização de uma política indigenista no país, além da própria natureza dos gastos para essa população, que tendem a demorar mais para serem concluídos”.
Nem tudo, porém, é escasso em termos de execução de valores para políticas públicas. No que se refere ao combate à desigualdade racial, o governo destinou 130,5 milhões de reais para políticas públicas neste ano, quase o dobro do que foi alocado em 2023.
O programa “Juventude Negra Viva”, por exemplo, que tem orçamento de 15 milhões de reais, já teve quase 90% dos recursos empenhados ou pagos no primeiro semestre.
Políticas voltadas às mulheres também vêm ganhando atenção. O Inesc destacou, por exemplo, o programa “Casa da Mulher Brasileira”, que já empenhou 24,6 dos 37,4 milhões de reais previstos para 2024. Por outro lado, o “Ligue 180”, criado pelo governo para auxiliar mulheres vítimas de violência e misoginia, não registrou nenhum pagamento do total de 23,8 milhões de reais orçados para este ano.
O que explica a baixa execução orçamentária?
O Inesc observou que, em geral, os atrasos nos pagamentos costumam ocorrer devido à dificuldade de se formar convênios entre estados, municípios e o governo, para que os entes recebam os valores.
Há também a necessidade de recompor as equipes de instituições desmontadas no governo Bolsonaro, segundo o Inesc, o que é um desafio desde o primeiro dia da gestão Lula.
Isso, contudo, não significa, segundo o estudo, que se deve negar que o país “está gastando menos do que deveria ao obedecer a uma austeridade fiscal a qualquer custo”. Em meio à pressão dos números, por exemplo, o governo decidiu, no mês passado, congelar 15 bilhões de reais para cumprir o arcabouço fiscal.
O gasto inferior ao esperado, de acordo com o Inesc, acaba “prejudicando especialmente as pessoas empobrecidas, agravando o racismo e o sexismo”.