A justiça alemã tornou definitiva nesta terça-feira 20 a condenação de dois anos de prisão com sursis de uma ex-secretária e datilógrafa de um campo de concentração nazista, atualmente com 99 anos. Este pode ser o último veredito no país sobre os crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial.
Irmgard Furchner foi acusada de cumplicidade nos assassinatos de mais de 10 mil pessoas no campo de Stutthof, um território que atualmente pertence à Polônia. Aos 18 anos, em 1943, ela começou a trabalhar como datilógrafa e secretária do comandante Paul Werner Hoppe. Ela desempenhou as funções durante dois anos.
A defesa da idosa alegou que ela não tinha conhecimento dos assassinatos sistemáticos cometidos no campo de concentração. Em sua últimas audiências, Furchner lamentou “tudo o que ocorreu” e se disse arrependida “por estar em Stutthof naquele momento”. Cerca de 65 mil pessoas foram exterminadas no local a mando do regime nazista, entre judeus, resistentes poloneses e prisioneiros soviéticos de guerra.
Em 2022 Furchner já havia sido condenada a dois anos de prisão com sursis, mas recorreu. No entanto, o pedido foi rejeitado pela mais alta instância judiciária da Alemanha, levando a Corte Federal de Leipzig, no leste do país, a anunciar nesta terça-feira o veredito definitivo.
Cheiro de carne humana queimada
Para a acusação, as alegações da idosa não são críveis e, por meio de seu trabalho, “apoiou diretamente o comandante do campo e outros membros nazistas que trabalharam na direção do local”, afirmou a juíza Gabriele Cirener. “Ela viu o estado físico catastrófico dos detentos, a falta de alimentos e roupas, as condições de higiene deploráveis, e sentiu o cheiro de carne humana queimada, cotidianamente, que escapava pela chaminé do crematório.”
A condenação de dois anos de prisão com sursis é uma pena simbólica, observou a corte. A magistrada considerou que a função de Furchner era “hierarquicamente subordinada” e sua capacidade de reação era “reduzida em razão da doutrinação” nazista da época.
A decisão foi saudada pelo Conselho de Judeus da Alemanha. “Para os sobreviventes do Holocausto é extremamente importante lutar por uma forma tardia de justiça”, afirmou o presidente da organização, Josef Schuster.
Processo rocambolesco
O julgamento de Irmgard Furchner começou em setembro de 2021 de maneira rocambolesca. A idosa não se apresentou ao tribunal de Itzehoe, no norte da Alemanha, e fugiu da casa de repouso onde vive, tomando um táxi para chegar até uma estação de metrô de Hamburgo. Ela foi encontrada algumas horas mais tarde.
Quase 80 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, condenações de crimes da época nazista que ainda estão sendo investigados na Alemanha são cada vez mais raros no país. Vários processos de ex-funcionários de campos nazistas foram realizados nesses últimos anos na Alemanha. Mas, levando em consideração a idade elevada dos réus, muitos julgamentos não avançam e muitos acusados morrem antes de cumprirem suas penas de prisão.
É o caso de Josef Schütz, ex-guarda de um campo de concentração condenado em junho de 2022 a cinco anos de prisão. Ele faleceu um ano depois, aos 102 anos, sem cumprir a pena porque sua defesa recorreu da decisão.
Em junho do ano passado, o tribunal de Hanau, no centro do país, cancelou o comparecimento de um ex-guarda do campo de Sachsenhausen, de 99 anos. Ele foi julgado incapaz de assistir ao processo por razões de saúde.