Os presidentes da Câmara, do Senado e de dez partidos pediram que o Supremo Tribunal Federal derrube a liminar do ministro Flávio Dino que suspendeu a execução de todas as emendas impositivas apresentadas pelos congressistas até que novas regras de transparência sobre a aplicação dos recursos sejam adotadas.
A ação questiona a legalidade das ordens do magistrado, que, segundo documento enviado à Corte nesta quinta-feira, “causam danos irreparáveis à economia pública, à saúde, à segurança e à própria ordem jurídica” e violam a separação dos Poderes. PCdoB e PSOL não subscreviam o pedido até o fechamento desta reportagem.
“As decisões monocráticas, proferidas fora de qualquer contexto de urgência que justificasse uma análise isolada, e não colegiada, transcenderam em muito o debate em torno de alegada falta de transparência das denominadas emendas Pix, e alcançaram de forma exorbitante também as chamadas emendas de comissão”, alega o recurso.
As emendas impositivas são aquelas que o governo federal tem obrigação de pagar. Para este ano, a previsão é que o Executivo tenha de enviar aos redutos eleitorais dos congressistas ao menos 33 bilhões de reais nessa modalidade de pagamento.
O pedido para suspender a execução das emendas partiu do PSOL, sob o argumento de que os moldes atuais no manejo do Orçamento da União geram um “desarranjo profundo” e violam a separação entre os Poderes. Dino acolheu a solicitação, mas manteve o repasse para obras em andamento e ações de calamidade pública.
Para o magistrado, a execução de emendas sem critérios de eficiência, transparência e rastreabilidade é incompatível com a Constituição. O rito estabelecido com as emendas, explicou, retira grande parte da liberdade de decisão do Executivo sobre políticas públicas e transforma parlamentares em “co-ordenadores de despesas”.
“É uma grave anomalia que tenhamos um sistema presidencialista, oriundo do voto popular, convivendo com a figura de parlamentares que ordenam despesas discricionárias como se autoridades administrativas fossem”, escreveu. O ministro ainda ressaltou que o “equivocado desenho prático” das emendas impositivas gerou a “parlamentarização das despesas públicas”.
A decisão de Dino engrossou a ofensiva contra o poder do Legislativo sobre nacos do Orçamento em razão da falta de transparência e controle na aplicação dos recursos públicos. Mas, por outro lado, abriu caminho para um mal-estar com os congressistas, que já estavam irritados com outras ordens do magistrado.
Na semana passada, por exemplo, o ministro havia suspendido o pagamento das emendas Pix, modalidade aprovada pelo Congresso em 2019 na qual o dinheiro público é enviado por parlamentares a seus redutos eleitorais sem necessidade de passar pelos ministérios.
Dino abriu uma exceção apenas para transferências que atendam a requisitos de transparência e de rastreabilidade dos valores. Também há permissão no caso de repasses para obras em andamento e atendimento de situações de calamidade pública, desde que haja um sistema de transparência.
Antes disso, proibiu o Executivo de executar emendas de comissão (indicadas pelos presidentes dos colegiados temáticos do Congresso) que não seguissem regras de transparência e rastreabilidade, além de fixar critérios para o seu pagamento. O ministro do STF também pediu à Controladoria-Geral da União um pente-fino nos repasses feitos nos últimos anos.
O entendimento de Dino é que a falta de controle sobre a aplicação desses recursos repete o problema das emendas de relator, que ficaram conhecidas como Orçamento Secreto e foram utilizadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para pavimentar sua relação com o Congresso.
A reação à ordem do ministro veio rapidamente. Na Câmara, os deputados decidiram adiar a votação de destaques da regulamentação da reforma tributária, uma pauta prioritária para o governo Lula (PT).
O cancelamento foi interpretado como uma espécie de recado ao Palácio do Planalto – entre os parlamentares, há a suspeita de que as ordens de Dino tenham a digital do governo, do qual ele foi ministro até o início deste ano.
Logo depois, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso rejeitou uma medida provisória que previa um aumento no orçamento do Poder Judiciário. A derrubada da MP, contudo, ainda precisa ser votada em sessão da Câmara.