As democracias enfrentam ameaças crescentes e as eleições são vistas como cruciais para superar esses desafios ou para se revitalizarem após retrocessos. Nesse contexto, a proteção das eleições torna-se cada vez mais urgente, sendo definida como os esforços para prevenir, resistir ou se recuperar de eventos que possam comprometer a integridade dos processos e resultados eleitorais. Essa atuação deve garantir o respeito aos princípios democráticos do sufrágio universal, igualdade política e uma administração profissional, imparcial e transparente ao longo de todo o ciclo.
Para enfrentar os desafios contemporâneos, a Justiça Eleitoral brasileira tem adotado métodos avançados de gerenciamento de riscos, construção de resiliência e gerenciamento de crises. Esses métodos são vitais para antecipar, mitigar e responder a eventuais ameaças que possam comprometer a segurança e a transparência do processo eleitoral.
Gerenciar riscos envolve identificar vulnerabilidades no sistema eleitoral e desenvolver estratégias para minimizá-las, enquanto a construção de resiliência visa garantir que o sistema possa resistir e se adaptar a desafios inesperados. Já o gerenciamento de crises se concentra em ações rápidas e eficazes para lidar com incidentes que, apesar de todos os esforços preventivos, ainda possam ocorrer durante o pleito.
O Tribunal Superior Eleitoral destaca-se na coordenação dos esforços de proteção da integridade eleitoral, acelerando o desenvolvimento de soluções específicas para abordar novos desafios, ao mesmo tempo que elabora estruturas que desbloqueiem sinergias entre as soluções específicas. Particularmente, o TSE tem promovido uma série de ações para combater a desinformação, como parcerias com plataformas digitais, campanhas de conscientização e a criação de canais para que os eleitores possam verificar a veracidade das informações. Essas ações ressaltam a complexidade de proteger as eleições em um mundo cada vez mais digitalizado.
A recente resolução do TSE que amplia o poder de polícia na fiscalização e combate à desinformação representa, por um lado, um avanço significativo na proteção das eleições. Com essa medida, a Justiça Eleitoral ganha ferramentas mais eficazes para atuar de forma preventiva e repressiva contra conteúdos que possam desestabilizar o processo eleitoral, ao permitir que juízes eleitorais removam conteúdos desinformativos da internet sem a necessidade de provocação judicial.
A medida é estratégica em um contexto de demanda crescente por regulamentação e gestão da segurança cibernética relacionada às eleições, desinformação e aos discursos de ódio. A disseminação de desinformação e o uso de fake news persistem como grandes desafios para a integridade das eleições. Em um ambiente onde as redes sociais amplificam rapidamente informações falsas, a Justiça Eleitoral precisa estar constantemente vigilante e preparada para combater essas ameaças, que não são apenas técnicas, mas também sociais, pois visam manipular a percepção pública, minando a confiança nas instituições democráticas e nos próprios resultados eleitorais.
Por outro lado, a Justiça Eleitoral deve equilibrar a necessidade de ações firmes para proteger a integridade das eleições com a preservação dos direitos fundamentais dos cidadãos. A aplicação da nova regra depende da interpretação de juízes espalhados por mais de 5,5 mil municípios, particularmente quanto ao conceito de “similitude substancial” para identificar conteúdos inverídicos (que serão retirados do ar).
A falta de consenso nesse aspecto pode comprometer a credibilidade e a justiça do processo eleitoral. Além disso, há debates sobre a atuação dos juízes em casos de desinformação que ainda não foram julgados pelo TSE, o que poderia levar a uma aplicação descoordenada do poder de polícia.
Em um contexto de desinformação crescente, é compreensível buscar mecanismos de proteção mais rígidos. No entanto, é crucial que essa ampliação seja acompanhada de uma reflexão sobre os limites do poder estatal e a necessidade de manter a confiança pública no processo eleitoral. A grandeza da Justiça Eleitoral está na sua capacidade de equilibrar a regulação com a preservação das liberdades individuais, promovendo uma democracia inclusiva e plural por meio de eleições livres e justas.
*Esta coluna integra os trabalhos do Observatório das Eleições 2024 do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Dedico a Márcia Magalhães, leitora e eleitora atenta, com muito carinho e admiração.
Publicado na edição n° 1324 de CartaCapital, em 21 de agosto de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Antídoto na dose certa’