Divisão estratégica em Bangladesh

Na última semana, Bangladexe foi alvo de um golpe de estado. Sheikh Hasina, primeira-ministra derrubada, acusou os EUA de terem perpetrado a derrubada de seu governo.

Como foi noticiado neste Diário, o governo de Hasina, do partido político Liga Awami (AL), foi alvo de manifestações estudantis que progrediram para ações violentas, resultando inclusive na morte de 400 pessoas. O governante que assumiu a liderança do país foi Mohammad Yunus, vencedor do Prêmio Nobel da Paz.

Breve resumo da história política recente do país asiático

Desde o golpe de estado em 1975, quando foi assassinado o pai da primeira-ministra derrubada Sheikh Hasina, Sheikh Mujibur Rahman (considerado o “Pai da Nação”), o país localizado na Ásia Meridional tem tido um histórico político turbulento. Desde então, Bangladesh tem sofrido uma série de golpes de Estado, até a restauração do governo civil em 1991. No entanto, o estabelecimento de um regime civil não modificou o conflito existente devido à rivalidade entre os partidos Liga Awami (AL) e BNP (Partido Nacionalista), liderado por Begum Khaleda Zia, viúva do ex-líder do golpe, General Ziaur Rahman (BNP).

Nos dois últimos processos eleitorais, o BNP não participou, e Khaleda Zia estava em prisão domiciliar desde 2018 por acusações de corrupção [foi liberada horas após a retirada de Sheikh Hasina do poder].

A questão religiosa

A questão religiosa não pode ser ignorada. Segundo o ex-secretário de Relações Exteriores da Índia e ex-embaixador na Rússia entre 2004 e 2007, Kanwal Sibal, “além da rivalidade pessoal, há a presença de forças islamistas radicais no corpo político de Bangladexe, como o Jamaat-e-Islami (JeI), que está intimamente ligado ao BNP. O JeI acredita em uma Bangladexe islâmica, diferente da AL, que tem uma ‘mentalidade mais secular’” [grifo nosso].

Sibal também afirma que:

“Esses elementos islamistas radicais, que não participaram da luta de libertação contra o exército paquistanês no então Paquistão Oriental, têm uma orientação pró-Paquistão e anti-Índia, dada a participação da Índia na libertação de Bangladexe. Com a expulsão de Sheikh Hasina, seu partido em desordem política e o BNP revitalizado politicamente, o JeI e elementos islamistas associados terão muito mais influência e enfraquecerão as forças mais seculares no país.”

Segundo relatos, a minoria hindu no país já está sendo alvo de islamistas radicais. O ex-secretário cita com preocupação a derrubada da estátua de Sheikh Mujibur Rahman por vândalos, o que ele aponta como uma imitação da derrubada da estátua de Saddam Hussein em Bagdá. Além disso, foi incendiada a residência de Mujibur Rahman, que foi transformada em museu durante os anos de governo da AL. Para Kanwal, isso não soa bem para o “futuro da democracia” em Bangladexe:

“Isso não augura nada de bom para o futuro da democracia em Bangladexe”, continua:

“O BNP, produto de um golpe militar, tem credenciais democráticas duvidosas, especialmente por causa de seus vínculos islamistas. No passado, apoiou o terrorismo e a insurgência contra a Índia a partir de seu território. Quando estava no poder, se opôs à cooperação mutuamente benéfica com a Índia no desenvolvimento de conexões e ligações de trânsito, com o claro objetivo de negar acesso mais fácil aos estados do nordeste da Índia e impedir seu desenvolvimento.”

Intervenção norte-americana

O especialista também acusa os EUA de intervenção na política interna do país asiático:

“O Ocidente, especialmente os EUA, cinicamente procuraram pressionar politicamente Sheikh Hasina em relação à democracia, cientes de que as alternativas eram ainda menos democráticas, com mais influência islamista. Os EUA desempenharam um papel em deslegitimar o governo de Sheikh Hasina com muitas das ações que tomaram, o que sem dúvida encorajou indiretamente sua derrubada.”

Golpes de Estado e a crise do imperialismo

A denúncia de Kanwal é corroborada pela linha do tempo em que ocorreram os acontecimentos. A China, no dia 4 de junho, havia apoiado a entrada de Bangladexe aos BRICS. No mês seguinte, o governo pró-BRICS é derrubado, e um presidente com prestígio dos norte-americanos é nomeado. O presidente nacional do Partido da Causa Operária (PCO), Rui Costa Pimenta, ao analisar o caso, afirmou que os golpes de estado serão a norma na política mundial:

“O golpe de Estado será o novo arroz com feijão da política a partir de agora. Os EUA vão impulsionar isso para alinhar os países com sua política”, afirmou o dirigente da agremiação trotskista.

As minorias hindus

O aspecto religioso, somado ao golpe, gera um fator de opressão aos hindus, que representam 9% da população. Com a derrubada da AL, partido historicamente apoiado pelos hindus, estes estão sendo alvos de violência por parte do governo e apoiadores do BNP. Há protestos pelo mundo exigindo a segurança da minoria religiosa, com manifestações surgindo no próprio país, na Índia, onde o primeiro-ministro exigiu a segurança dos hindus, e até mesmo em Houston, nos EUA.

Imperialismo: “dividir para reinar”

É oportuno lembrar que Bangladexe é uma divisão do Paquistão, que, por sua vez, é uma criação dos britânicos contra a Índia. O país, localizado na Ásia Meridional, é fruto de uma das ditaduras mais brutais impostas ao continente, com o apoio do imperialismo contra a Índia. A população de Bangladexe, com o apoio dos indianos, separou-se e fundou um estado de caráter islâmico. Historicamente, o imperialismo procura dividir as nações com base em preceitos étnicos, raciais e religiosos para obter sucesso em sua política.

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