No dia 11 de agosto, o portal Esquerda Online, do grupo Resistência, corrente interna do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), publicou a tradução do artigo Bangladesh: Levante da juventude e a queda de um faraó, escrito por Umar Shahid, do Paquistão, ativista de uma organização chamada The Struggle. Conforme o próprio título já indica, o artigo é uma apologia do golpe de Estado em curso em Bangladexe. 

O texto tem início com uma descrição dos eventos que prepararam a queda da primeira-ministra do país asiático, Sheikh Hasina Wajed. O autor passa pelos acontecimentos como se estivesse diante de uma epopeia, de uma grande aventura protagonizada pela juventude:

“A residência oficial do primeiro-ministro era o edifício mais ‘estimado’ e que simbolizava a autoridade do governo por tanto tempo. A audaciosa oposição da juventude ao governo tem chamado muita atenção, mas também serve como um indicador para a crescente pressão pela mudança, desafiando ‘normas’ políticas profundas. (…) O governo de 15 anos do xeque Hasina foi derrubado como um castelo de cartas por este poderoso movimento de jovens e trabalhadores. (…) Agora Bangladesh entrou em uma nova etapa, onde a instabilidade política dominará e esse movimento de jovens dará um novo impulso à consciência de milhões de trabalhadores.”

A narração romântica, neste caso, tem como objetivo ocultar o verdadeiro conteúdo do movimento. Afinal, quem não acharia lindo e maravilhoso que jovens saíram às ruas e colocaram um governo opressor contra a parede?

O problema é que o Resistência não se dá ao trabalho de analisar quem são esses jovens, nem muito menos a quem eles estão a serviço. Não é porque há jovens nas ruas que um movimento é necessariamente progressista. Um dos golpes mais fascistas dos últimos anos, o golpe de Estado na Ucrânia, começou com uma manifestação de estudantes universitários na Praça Maidan. O resultado? Milícias fascistas tomaram conta do país e, hoje, sua população é utilizada como bucha de canhão pelo imperialismo em uma guerra contra a Rússia.

A participação de jovens em mobilizações reacionárias é algo, até certo ponto, esperado. Afinal, praticamente todas as universidades do mundo estão corrompidas pelo imperialismo, que oferece bolsas de estudo para que os jovens defendam a sua política. É de conhecimento público que organizações como a Open Society Foundations e a Fundação Ford derramam, todos os anos, bilhões de dólares em universidades de todos os continentes. E também é de conhecimento público que essas mesmas organizações já utilizaram, em inúmeras oportunidades, a sua influência sobre essa parcela da juventude para mobilizá-la a favor de seus interesses.

Uma situação que deixou isso transparente foi a da Geórgia. O país, seguindo o exemplo de sua vizinha Rússia, que, preocupada com a ação desses institutos, os baniu de seu território, propôs uma tímida regulamentação das Organizações Não Governamentais (ONGs). Em reação, os funcionários dessas ONGs saíram às ruas contra o governo, chegando a desestabilizá-lo, o que apenas comprovou a capacidade dessas organizações de interferir na política de qualquer país.

Em todo o texto, o Esquerda Online se resume a falar o seguinte sobre o programa político do movimento:

“O movimento atual não foi um movimento espontâneo. Um papel de liderança foi desempenhado pelo movimento ‘Estudantes contra a Discriminação’ e jovens trabalhadores, depois que o governo anunciou cotas muito altas para as famílias de veteranos da guerra da independência – embora isso tenha sido há 53 anos. Os estudantes estavam ativos nos campi em todo o país, discutindo e lutando por seus legítimos direitos. A remoção do sistema de cotas foi uma de suas principais demandas e outras incluíram uma redução das propinas e melhores instalações para os alunos em todos os campi.”

Ora, mas e o principal para analisar qualquer movimento, onde está? Isto é, em que circunstâncias da luta de classes esse movimento está inserido?

Hoje em dia, não há luta política na qual o imperialismo não esteja envolvido. As contradições internas de qualquer país não são mais importantes, nem são desvinculadas do maior antagonismo da sociedade humana dos dias de hoje: a luta entre o imperialismo e aqueles que são oprimidos por ele.

A coisa mais estúpida do mundo seria imaginar que, em um dos países mais populosos do mundo situado nas proximidades de países decisivos para a ordem política mundial, a derrubada do governo nada tivesse a ver com o imperialismo. Isso significaria dizer, portanto, que os grandes monopólios, que se mostraram capazes de assassinar 15 mil crianças na Faixa de Gaza para garantir os seus interesses econômicos, seriam indiferentes a quem governa Bangladexe. Significa dizer que o imperialismo se preocupou em derrubar o governo do Paquistão, mas que, sabe-se lá por que, não estaria preocupado com os rumos do governo de Bangladexe.

Ao ignorar o imperialismo, o Esquerda Online ignora o principal: o governo foi derrubado como parte dos planos do imperialismo para a Ásia ou foi derrubado como resultado do enfrentamento das massas com um preposto do imperialismo?

Não é difícil responder a essa pergunta. Por um lado, é sabido que a primeira-ministra de Bangladexe tinha boas relações com a Rússia, que havia se comprometido de construir uma usina nuclear em parceria com o governo asiático. Por outro lado, o novo chefe-de-Estado de Bangladexe, que surgiu das mobilizações estudantis, é um economista que venceu o Prêmio Nobel da Paz. Isto é, um funcionário declarado dos grandes bancos, uma figura execrável como Augusto Pinochet ou Javier Milei.

Ao se esforçar para apresentar o caso de Bangladexe como um exemplo a ser seguido pela juventude, o Esquerda Online está, no final das contas, defendendo não apenas um golpe de Estado, mas defendendo os planos macabros do imperialismo para Bangladexe. Uma vez mais, a desorientação política da esquerda pequeno-burguesa a coloca a reboque dos piores inimigos de toda a humanidade.

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Última Atualização: 14/08/2024