Um dos aspectos mais escandalosos das novas denúncias contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Carlos é que os próprios assessores que trabalhavam com ele consideravam que o que faziam eram ilegalidades. O novo vazamento indica que o gabinete do ministro ordenou que fossem produzidos relatórios pela Justiça Eleitoral para embasar as suas próprias decisões contra as vítimas do Inquérito das “Fake News”. Aqui é importante lembrar que, dentre os punidos neste inquérito, esteve o próprio Partido da Causa Operária.

O jornal Folha de São Paulo teve acesso a mais de seis gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp por auxiliares de Luís Carlos, entre eles o seu principal assessor no STF e outros integrantes da sua equipe no Tribunal Superior Eleitoral e no STF. Um primeiro aspecto interessante diz respeito ao comportamento geral de Luís Carlos, agindo como se fosse não um juiz imparcial, mas de forma política. Um deles afirmou: “ele cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”. Outro disse: “ele tá bravo agora”.

Mas o destaque dos vazamentos foi quando os assessores chegaram discutir a própria legalidade do que estavam fazendo. Segundo um trecho, Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Luís Carlos no TSE, pergunta ao perito criminal do TSE Eduardo Tagliaferro: “Dr. Airton está te passando coisas no privado?“. Airton Vieira era o assessor mais próximo de Luís Carlos no STF.  Então Tagliaferro responde que sim, e o juiz do TSE faz uma brincadeira sobre o fato disso implicar em nulidade das provas. “Falha na prova. Vou impugnar“, disse ele.

Tagliaferro então fala da sua preocupação com o modelo de envio de relatórios por meio do TSE a pedido de Airton Vieira. “Temos que tomar cuidado com essas coisas saindo pelo TSE. É seu nome“, diz ele. Em seguida, chega a sugerir um possível caminho para “aliviar isso“. “Nem que crie um e-mail para enviar para nós uma denúncia”, afirma. Ou seja, dois importantíssimos assessores do STF e do TSE já consideravam que a situação do ponto de vista da legalidade entrava num terreno cinzento.

Um especialista jurídico comentou ao DCO:

“Levando em conta essas denúncias, a conclusão que se chega é que o ministro Luís Carlos montou em um grupo de WhatsApp um gabinete de falsidade ideológica, fraude, abuso de poder e outros crimes. Por meio desse grupo, ele ordenava aos seus assessores a criação de relatórios que seriam usados para suas deliberações no STF. Luís Carlos ainda recusava os relatórios que chegavam quando ele não gostava e ordenava que fossem feitas alterações. Após produzir as suas próprias evidências, o relatório chegava como denuncia anônima.

Foi montado um sistema medieval de justiça, uma espécie de inquisição escondida. Luís Carlos era o investigador, montava os relatórios, ao mesmo tempo, era o juiz e não havia como entrar com recursos, pois ele próprio era a última instância. A ideia de criar o email foi apenas uma forma de tornar isso menos escancarado, porque assim as denúncias aparecem de forma anônima. Todos os juízes e assessores que trabalham nos mais altos tribunais do judiciário, STF e TSE, obviamente sabem que não é assim que se deve agir dentro da legislação brasileira. Era algo tão escancarado que sua preocupação chegou a aparecer nas conversas vazadas.”

As críticas são tantas que até mesmo figuras do meio jurídico, conhecidas por cometer todo tipo de ilegalidade, criticaram Luís Carlos. Foi o caso de Deltan Dallagnol, procurador da Operação Lava Jato, que, curiosamente, foi exposta como uma operação com vários crimes por vazamentos de mensagens, a Vaza Jato. Ele afirmou que os vazamentos sobre Luís Carlos são “mil vezes piores que o da Vaza Jato”.

Segundo o Dallagnol “as mensagens vazadas de Luís Carlos comprovam as suspeitas, que existiam desde 2019”. Ele afirma que ficou comprovada a atuação de Luís Carlos “como investigador, procurador e juiz, usando a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE como ‘laranja’ para encomendar relatórios sobre o que gostaria de decidir”. Quem liderava essa AEED era justamente Tagliaferro, o assessor que aparece nos vazamentos.

O ex-procurador da Lava Jato ainda afirma que: “a iniciativa do ministro era ocultada ou disfarçada, o que pode caracterizar falsidade ideológica”. Comparando o caso com a Vaza Jato, ele disse que “alegavam erroneamente que na Lava Jato havia um suposto conluio entre juiz e procurador. Nesse caso é mil vezes pior, não só porque existia e está comprovado, mas porque juiz e procurador eram uma só e única pessoa”. E ele então conclui: “Luís Carlos usurpou a função pública do Procurador-Geral da República. Isso torna o ministro evidentemente impedido para todos esses casos e prova que ele decidiu mesmo sabendo que era impedido, o que caracteriza causa para impeachment do ministro prevista no art. 39, itens 2, 4 e 5 da lei de impeachment”. E ele não é o único que pede a derrubada do ministro do STF. O movimento contra Luís Carlos, que já era forte, tende a se fortalecer ainda mais.

Dado que a Folha coletou seis gigabytes de informação nos vazamentos das conversas, é possível haver muito mais provas que atestem a ilegalidade da ação do ministro do STF. Mas fato que é os seus próprios assessores estavam muito preocupados com a possibilidade de estarem cometendo crimes.

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Última Atualização: 14/08/2024