Por Leonardo Sakamoto
Delfim Netto era brilhante e marcou a história do país, mas é saudável que ele seja lembrado tanto por suas qualidades quanto por suas contradições, afastando a absolvição e a canonização que a morte costuma provocar.
Por exemplo, Delfim, o principal ministro da Fazenda da ditadura civil-militar, defendia que era necessário fazer o bolo da economia crescer para depois dividi-lo com todos. O país cresceu, mas os ricos ainda se refestelam com o bolo na festa em que os pobres são convidados apenas para limpar e servir, juntando as migalhas que sobram.
O andar de baixo precisaria esperar a redemocratização e a Constituição de 1988 para que seus direitos fossem reconhecidos. Desde então, a grande luta é tentar tirá-los do papel. O mesmo argumento de Delfim segue sendo usado por muita gente que reluz no noticiário para justificar que o pobre deve esperar — justificativa presente, principalmente, na definição do orçamento da República.
Os super-ricos, seus representantes e os seus cães de guarda vêm dificultando a discussão sobre a taxação progressiva do imposto de renda, a taxação de dividendos recebidos de empresas, a limitação na dedução de gastos de saúde particular, o fim de certos benefícios fiscais.
Ao mesmo tempo, defendem o fim do piso constitucional de orçamento de saúde e educação (o que significa menos orçamento para creches, escolas e hospitais), a desvinculação do salário mínimo de pensões, aposentadorias e BPC e o cancelamento da política de valorização desse mesmo mínimo.
Os argumentos dos super-ricos têm ampla visibilidade na imprensa, enquanto os que defendem alternativas que incluem taxar o andar de cima (hoje, menos cobrados que os trabalhadores e pequenos empresários) são tratados como ruídos que atrapalham a marcha do progresso. Fatia do bolo precisa vir primeiro para os ricos, suas isenções, benefícios e subsídios. As migalhas que sobrarem podem ir para os pobres, mas com parcimônia para não se engasgarem.
Para tanto, o Congresso Nacional vem exercendo um papel importante. Apesar de aprovar algumas medidas que cutucam o andar de cima, como a taxação de fundos exclusivos e fundos offshore, não avançam no que realmente atinge o coração dessa injusta fábrica de bolos. Não só isso: há deputados e senadores que afirmam que pobreza é ruim, desigualdade social, não.
Ignoram que a desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres.
Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.
Hoje, ao menos, temos liberdade para fazer um debate público sobre isso e, por mais que o poder econômico seja um rolo compressor no Congresso, ainda assim os trâmites acontecem seguindo os ritos democráticos. Na ditadura, Delfim se aproveitou dos poderes autoritários para seus planos econômicos, caminho que também seria seguido no Chile com o governo neoliberal do açougueiro general Pinochet.
Na noite de 13 de dezembro de 1968, os membros do Conselho de Segurança se reuniram para votar o Ato Institucional número 5, que deu poderes para que o Palácio do Planalto fechasse o Congresso Nacional, estabelecesse a censura e descesse o cacete geral. Para a grande maioria da população, foi uma página sombria da nossa história. Já para um naco radical, é um sonho pelo qual ainda vale a pena lutar.
Em seu voto, Delfim afirmou:
“Senhor presidente, senhores membros do Conselho. Eu creio que a revolução veio não apenas para restabelecer a moralidade administrativa neste país, mas, principalmente, para criar as condições que permitissem uma modificação de estruturas que facilitassem o desenvolvimento econômico. Este é realmente o objetivo básico. Creio que a revolução, muito cedo, meteu-se numa camisa-de-força que a impede, realmente, de realizar esses objetivos.
Mais do que isso, creio que, institucionalizando-se tão cedo, possibilitou toda a sorte de contestação que terminou agora com este episódio que acabamos de assistir [o discurso do deputado Márcio Moreira Alves acusando o Exército de tortura e a negativa da Câmara para que ele fosse processado]. Realmente, esse episódio é simplesmente o sinal mais marcante da contestação global do processo revolucionário. É por isso, senhor presidente, que eu estou plenamente de acordo com a proposição que está sendo analis