Desde setembro de 2020, a guerra do imperialismo contra a Síria assumeu uma nova característica, a de sanções violentíssimas. Naquele mês, o Acto de Proteção Civil Síria entrou em vigor, tendo sido assinado seis meses antes pelo então presidente dos EUA, Donald Trump, com o apoio da União Europeia. Ele instituiu sanções abrangentes contra o país árabe para ostensivamente punir o presidente Bashar Assad e seus associados políticos e pessoais. Uma vasta gama de bens e serviços em todos os campos imagináveis foi proibida de ser vendida a qualquer cidadão ou entidade síria.

Os termos da legislação deixam claro que impedir os esforços em curso para reconstruir a Síria, devastada por uma longa guerra de imperialista de uma década, e impedir o país de gerar renda externa com a venda de suas reservas de energia, era o principal objetivo. Uma passagem delineia abertamente “uma estratégia para dissuadir pessoas estrangeiras de celebrar contratos relacionados à reconstrução”. Indivíduos e empresas privadas em qualquer lugar do mundo que “conscientemente, direta ou indiretamente, [forneçam] serviços significativos de construção ou engenharia” à Síria estão em sérios apuros com as autoridades dos EUA.

O mesmo destino recai sobre aqueles que “conscientemente vendem ou [fornecem] bens, serviços, tecnologia, informações ou outro suporte significativo que facilite significativamente a manutenção ou expansão da produção doméstica de gás natural, petróleo ou produtos petrolíferos do Governo da Síria”. Na época, como agora, o exército dos EUA ocupava ilegalmente um terço do território sírio. Um mês antes de assinar essas sanções, o presidente Trump delineou sem rodeios por que as forças americanas estavam presentes no país: “Estamos segurando o petróleo, temos o petróleo, o petróleo está seguro, deixamos tropas para trás apenas por causa do petróleo.”

Teoricamente, o Acto de Proteção Civil Síria expirará cinco anos após sua implementação, ou seja, setembro de 2025 e, com isso, também as sanções associadas. No entanto, a Seção 401 da Lei estipula que as sanções só terminarão se seis requisitos estabelecidos forem cumpridos. Essas exigências são ousadas e amplas, essencialmente exigindo que os funcionários do governo sírio se ofereçam para serem processados por supostos crimes de guerra. Isso equivaleria à rendição, e à vitória da guerra pelos EUA.

Os termos das sanções do Acto de Proteção Civil Síria também são amplos. Após a aprovação da legislação, Joel Rayburn, então enviado especial dos EUA para a Síria, vangloriou-se da facilidade sem precedentes com que indivíduos e entidades podem ser penalizados e processados por violar sanções impostas ao país. Ele afirmou: “o Acto de Proteção Civil Síria abaixa a barra para nós. Não precisamos provar que uma empresa que está entrando para fazer um projeto de reconstrução na [Síria] está lidando diretamente com o regime Assad. Não precisamos ter as provas para comprovar essa ligação. Só precisamos ter as provas que comprovem que uma empresa ou indivíduo está investindo nesse setor.”

É claro que, em consonância com as campanhas de sanções anteriores dos EUA, as vítimas finais do Acto de Proteção Civil Síria são os cidadãos comuns. Imediatamente após entrar em vigor, o valor da libra síria colapsou, fazendo o custo dos bens disparar. Quase toda a população do país ficou, na melhor das hipóteses, com dificuldade, e, na pior, completamente incapaz de pagar pelos bens básicos fundamentais à existência humana.

Comentando contemporaneamente sobre a catástrofe infligida pelo imperialismo, James Jeffrey, o principal funcionário do Departamento de Estado para a política da Síria, declarou que os EUA não mudariam de curso. Em vez disso, ele exaltou o sucesso das sanções e prometeu que sua “receita” para lidar com a crise era “mais do mesmo”.

Avançando para janeiro de 2021, Jeffrey escreveu um artigo para a revista Foreign Affairs, implorando ao governo Biden que não mudasse de curso em nenhum aspecto da “política do Oriente Médio” de Trump. Ao longo do texto, ele elogiou como o presidente havia “liderado uma grande coalizão diplomática internacional” contra a Síria, que “isolou Damasco e destruiu a economia do país através de sanções”.

Um mês antes, Alena Douhan, relatora especial da ONU sobre os impactos negativos de medidas coercitivas unilaterais nos direitos humanos afirmou que temia que a legislação estivesse “privando o povo sírio da chance de reconstruir sua infraestrutura básica”, apesar das garantias dos EUA de que “não pretendia que [as sanções] prejudicassem a população síria”. Douhan também expressou “sérias preocupações” sobre a compatibilidade da lei com o direito internacional, devido “aos seus poderes de emergência sem restrições e alcance extraterritorial”.

Sob os auspícios do Acto de Proteção Civil Síria, o Tesouro dos EUA designou o Banco Central da Síria como suspeito de lavagem de dinheiro. Douhan considera que isso “claramente cria obstáculos desnecessários no processamento de ajuda externa e no manuseio de importações humanitárias”. E também que “resulta em um alto risco de excesso de conformidade”. Em outras palavras, as sanções produzem um efeito tão desmotivador que indivíduos, instituições de caridade e empresas deixarão de fornecer assistência ao país, mesmo que essa assistência não seja realmente sancionada. Ela acrescentou:

“O que particularmente me alarma é a maneira como o Acto de Proteção Civil Síria atropela os direitos humanos, incluindo… direitos à habitação, saúde e um padrão de vida e desenvolvimento adequados. O governo dos EUA não deve colocar obstáculos no caminho da reconstrução de hospitais porque a falta de cuidados médicos ameaça o próprio direito à vida de toda a população. Como a economia está amplamente destruída, a Síria precisa ser capaz de acessar a ajuda humanitária necessária e reconstruir a infraestrutura essencial no país, contando com ajuda estrangeira.”

Em 6 de fevereiro de 2023, a Síria foi brutalmente atingida por um terremoto de magnitude 7,8, um dos mais devastadores registrados na história do Levante. Os temores de Douhan sobre o efeito destruidor do Acto de Proteção Civil Síria na ajuda humanitária foram amplamente confirmados. As sanções dos EUA e da UE tornam ilegal o pouso de aviões nos aeroportos locais, e muitos Estados que tinham interesse em fornecer assistência humanitária não enviaram nada, por medo de graves repercussões.

Devido à intensa pressão pública global, e apesar da oposição interna feroz, o Tesouro dos EUA em 10 de fevereiro promulgou uma isenção de 180 dias em certas sanções, para permitir que a ajuda humanitária chegasse à Síria. Ainda assim, nem os EUA, nem a UE forneceram qualquer ajuda, apesar do número de mortos devido ao terremoto. Enquanto isso, o governo de “Israel” cogitou bombardear ajuda humanitária iraniana. As sanções foram reforçadas após o término do período de 180 dias e permanecem em vigor até hoje.

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Última Atualização: 12/08/2024