Os novos bárbaros e a decadência do império

por Luís Carlos de Oliveira

Durante um longo período após a II Guerra Mundial, os EUA era um país com mais superavit comercial no planeta. A recuperação europeia e o crescimento do Japão e, depois, a explosão de crescimento continuado da China, transformou os EUA num país comercialmente deficitário.

Mas o que parece um problema pode ser um indício de força econômica porque:

“For many economists, however, the trade deficit has been scapegoated, and they argue that the trade deficit is not itself a problem for the U.S. economy. That’s because a larger trade deficit can be the result of a stronger economy, as consumers spend and import more while higher interest rates make foreign investors more eager to place their money in the United States.”

“Para muitos economistas, no entanto, o deficit comercial tem sido o bode expiatório, e eles argumentam que o deficit comercial não é em si um problema para a economia dos EUA. Isso porque um deficit comercial maior pode ser o resultado de uma economia mais forte, já que os consumidores gastam e importam mais, enquanto taxas de juros mais altas tornam os investidores estrangeiros mais ansiosos para colocar seu dinheiro nos Estados Unidos.”

A trajetória da economia brasileira foi um pouco diferente da europeia e japonesa, porque apesar do vertiginoso crescimento industrial nos anos 1950 (um resultado da política industrial getulista) em meados da década de 1970 o Brasil se tornou extremamente endividado. Todavia, esse endividamento começou a ser paradoxalmente explorado como uma vantagem comparativa porque o calote da dívida poderia provocar o colapso do sistema bancário privado internacional.

O Brasil não é mais um país endividado, mas sua dependência dos EUA se tornou paradoxalmente maior. Isso porque, além de emitir os dólares que possibilitam as transações internacionais, os norte-americanos adquiriram outra imensa vantagem comparativa: o controle da infraestrutura de internet, através da qual a riqueza é criada e os fluxos econômicos entre os países se tornaram inevitáveis.

A reação brasileira à reorganização do império do Norte foi apostar na criação do G-20 e dos BRICS. O novo poder econômico/financeiro/tecnológico de dissuasão criado e desfrutado pelos EUA está sendo desgastado de diversas formas. Na Europa, a Rússia venceu o esforço de guerra norte-americano na Ucrânia. Mas os EUA reforçou seu controle sobre as economias dos países da UE.

Na América Latina as derrotas eleitorais da direita pró-EUA e os golpes de estado fracassado sugerem a consolidação de um cenário desfavorável para Washington. A vitória de Maduro na Venezuela é mais um prego enfiado no caixão do Tio Sam. Ela também será sentida no Brasil como uma estaca no coração do bolsonarismo.

O mundo está sofrendo mudanças imensas num ritmo acelerado, mas a direção em que ele caminha não é aquela desejada pela extrema direita. O fracasso dela na França certamente abalou a autoconfiança dos ideólogos norte-americanos da alt-right. Nem Consenso de Washington, nem sobrevivência do império com base na produção e difusão de Fake News. Paris flerta com os BRICS e pode se tornar o elemento central de consolidação da grande virada mundial.

Durante quase 100 anos o regime saudita foi um dos principais parceiros dos EUA. Material bélico “made in USA” foi e ainda é comprado em grande quantidade pela Arábia Saudita. Além disso, a família Saud recicla em Wall Street os dólares adquiridos ao abastecer os norte-americanos com petróleo. Mas Washington já não pode mais nem mesmo confiar em parceiros históricos como a família real saudita.

Com a entrada da Arábia Saudita nos BRICS tudo indica a desdolarização da economia mundial será inevitável. Isso reduzirá bastante o superávit financeiro dos EUA.

Em breve, o défict comercial e o endividamento daquele país deixarão de ser vantagens comparativas para se tornar dois problemas medonhos para os norte-americanos. Nem Kamala Harris nem Donald Trump podem pacificar o mundo sem causar prejuízos para o império. E nenhum dos dois conseguirá conter os conflitos sociais decorrentes da explosão de miséria dentro dos EUA.

O BRICS ampliado não é uma aliança militar. China, Rússia, Irã, Brasil, etc querem coexistir com os EUA. Mas dificilmente os norte-americanos aceitarão deixar de ser os primeiros entre povos desiguais e subalternos (povos inferiores de acordo com a teologia da alt-right). O desejo dos governantes dos EUA de preservar a hegemonia imperial/financeira daquele país à qualquer custo vai provocar uma guerra nuclear ou apenas acelerar a decadência do White Ass Apes Empire? Essa é uma pergunta que só o tempo poderá responder.

Luis Carlos de Oliveira, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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Última Atualização: 05/08/2024