Austeridade, uma ideia perigosa

por Petronio Portella Filho

“Sou a favor de que todos apertem os cintos, desde que todos usem as mesmas calças.” Mark Blyth

Economistas do mercado financeiro projetam, para o Brasil, um déficit primário de 0,7% do PIB em 2024. Segundo a maioria deles, isso seria algo imoral, uma demonstração de “descontrole fiscal”. Curiosamente, na última edição do Monitor Fiscal, o FMI projetou, para os 188 países que ele monitora, um déficit primário médio de 4,9% do PIB em 2024. E o tom da referida publicação não é alarmista. Ou seja, aqui no Brasil, exige-se mais austeridade fiscal do que no exterior.

Tal campanha torna urgente a leitura de “Austeridade, a História de uma Ideia Perigosa”, de Mark Blyth. Trata-se do melhor e mais completo livro que já foi escrito sobre a doutrina da austeridade econômica. Com esse livro, Blyth se tornou o crítico mais respeitado das políticas de austeridade.

Vou iniciar a resenha do livro com uma indagação. Como pode alguém em sã consciência ser contra a austeridade? Segundo os dicionários, todas as acepções do vocábulo austeridade são positivas. Austeridade significa autocontrole, comedimento, frugalidade, despojamento e sobriedade. Não é por acaso que os defensores da austeridade a defendem com base em princípios morais.

A questão é complexa. Começa que a “austeridade” dos economistas tem pouco a ver com as virtudes listadas pelos dicionários. Segundo os doutrinadores, a austeridade é necessária porque os governos – todos eles diagnosticados como inchados – precisam cortar despesas fiscais, única maneira de equilibrar as contas públicas.

Segundo Blyth, a doutrina é problemática em vários níveis, a começar pelo diagnóstico do problema. O aumento do endividamento público das últimas décadas não foi resultado da expansão de gastos fiscais, muito menos do crescimento do Estado. Pelo contrário. O recente aumento do endividamento público, um fenômeno internacional, se deu numa época de ampla hegemonia do neoliberalismo.

A crise do subprime (2007-08) foi protagonizada pelo setor financeiro privado dos EUA, que se engajou em atividades especulativas e fraudulentas sem a supervisão das autoridades. Algo similar aconteceu com grandes bancos de vários países. A solução americana foi usar o banco central para comprar ativos financeiros tóxicos do setor privado.

As restrições de Mark Blyth às políticas de austeridade podem ser resumidas em dois argumentos. Em primeiro lugar, os sacrifícios que ela impõe não são dirigidos aos responsáveis pela criação dos ativos tóxicos que originaram a crise. A austeridade sacrifica trabalhadores, classe média e empresários do setor produtivo – mas não toca nos privilégios dos bancos e rentistas.

Em segundo lugar, a austeridade NÃO FUNCIONA − se o significado da palavra “funcionar” for “promover crescimento econômico e reduzir dívidas públicas”. Pelo contrário. Blyth cita dados a perder de vista provando que a austeridade não só provoca estagnação econômica e aumento do desemprego, como também piora a situação dos devedores públicos e privados.

As estatísticas são eloquentes. Das políticas de austeridade fiscal resultou não só aumento nas dívidas públicas como também aumento nas taxas de juros que os bancos cobram para financiá-las. Ou seja, os próprios credores privados desconfiam da austeridade. O mesmo pode ser dito das bolsas de valores.

No Brasil, logo após o impeachment da Dilma, botaram na Constituição o “teto de gastos”, que na verdade era um esmagador de gastos. O “teto” vigorou durante sete anos. Era tão radical que não chegou a ser cumprido, mas impôs uma agenda de redução do Estado, privatizações e cortes de direitos sociais.

Mark Blyth analisa as políticas de austeridade não só na prática, como também na teoria. Ele pesquisou as origens intelectuais e históricas da doutrina, começando com os autores clássicos e indo até a impostura da “austeridade expansiva” dos italianos.

O autor mostra que a doutrina da “austeridade expansiva” foi amplamente contestada por vários autores, inclusive por um estudo do Fundo Monetário Internacional. Paul Krugman zomba de tal crença e a compara com um culto à Fada da Confiança. Mas, como observa Blyth, a austeridade é uma doutrina zumbi. Por mais que fracasse, ela se recusa a morrer em definitivo. Volta e meia ela sai da catacumba.

Mark Blyth é muito crítico da União Europeia, que considera uma armadilha monetária e fiscal. A UE, ao tentar impor o modelo austero alemão para o continente europeu, ainda por cima com moeda única, produziu décadas de estagnação e uma gigantesca crise bancária.

A solução, segundo Blyth, seria os governos desistirem de salvar grandes bancos inadimplentes. Tais operações de resgate provocam saltos na dívida pública, que servem de pretexto para a “austeridade” perpétua. As elites aumentam a dívida e o povo paga por ela. A austeridade produz estagnação e a relação dívida/PIB não diminui no longo prazo.

Petronio Portella Filho – Doutor em Economia pela Unicamp e consultor concursado do Senado Federal

Categorizado em:

Governo Lula,

Última Atualização: 05/08/2024