Aqui está o artigo reescrito em HTML, sem perder o contexto e sem links externos que não sejam embed de imagens ou vídeos (YouTube):
Madurismo e a traição ao chavismo, por Aldo Fornazieri
Se havia um sentido revolucionário na “Revolução Bolivariana” de Hugo Chávez, este foi traído por Nicolás Maduro. Chávez pretendia uma Venezuela menos dependente, mais igual, mais justa, mais livre e democrática. Os eixos principais de sua transformação implicavam em uma democracia fortemente participativa e popular e em programas sociais distributivos, que produzissem igualdade social. O controle estatal da cadeia petrolífera, principal riqueza da Venezuela, deveria impedir que as elites patrimonialistas se apossassem dela com exclusividade, deixando o povo na pobreza. O aprofundamento do caráter democrático do regime previa o uso dos instrumentos do plebiscito e de referendos revogatórios.
Com Chávez, a Venezuela superou uma longa crise econômica e social, reduziu a pobreza, melhorou os Índices de Desenvolvimento Humano, reduziu as desigualdades, implementou políticas públicas distributivas, sem destruir o caráter democrático do regime.
O chavismo tinha um sentido democrático, inclusivo e socializante. O madurismo é ditatorial, oligárquico e excludente. Sob Maduro, os programas sociais distributivistas estão agonizantes. Milhões de venezuelanos migram para outros países em busca de trabalho para mandar dinheiro para suas famílias e parentes empobrecidos nos bairros da Venezuela.
Pepe Mujica não tem dúvidas de que o regime de Maduro é uma ditadura e que ele é um ditador. Além de implantar um regime “cívico-militar e policial”, desde 2013 viabilizou a repressão não só a opositores de direita, mas também aos de esquerda, que foram rompendo com o regime à medida em que ele foi se tornando antipopular, e restaurador do rentismo das velhas elites agora com novos sócios: os militares e policiais de alta patente, a alta burocracia estatal e a elite política corrupta. O regime ditatorial de Maduro transformou-se também em uma oligarquia rentista.
Um dos primeiros a denunciar a traição de Maduro foi o historiador e ex-guerrilheiro Toby Valderrama a quem Chávez chamava de “velho camarada”. Valderrama e seus companheiros acusaram o novo grupo de poder pós-Chávez de ter reconstituído “o pacto com a burguesia” e reconstruído o capitalismo das elites. Héctor Navarro, ocupante de quatro ministérios no governo Chávez e amigo do ex-presidente, afirma que Maduro entregou o país nas mãos de interesses estrangeiros.
Gustavo Márquez, ex-ministro do Comércio Exterior de Chávez e ex-embaixador, denunciou várias vezes a falta de legitimidade de Maduro. Afirmou que Maduro e Juan Guaidó são duas faces da mesma moeda. Sustentou que Maduro e os generais promoveram a partilha do bolo do petróleo entre empresas americanas, a China e a Rússia. Com efeito, além dos russos e chineses, agora o regime tem novos parceiros no negócio do petróleo: a Chevron americana, a britânica Shell, a Repsol espanhola e a francesa Maurel & Pron. Para Márquez, esse regime oligárquico aprofunda o rentismo petroleiro, tornando “mais barato importar do que produzir” e estabelecendo controles que destruíram a economia do país.
Rafael Ramirez, ex-ministro do Petróleo da Venezuela foi mais longe: disse que Maduro promove eleições com o medo, a fome e a manipulação. Não se pode ter eleições livres “com a pistola apontada para as cabeças das pessoas”. Ele foi um dos primeiros a dizer que Maduro não é chavista: “El gobierno de Maduro no se puede definir de otra manera que um Gobierno de derecha”, afirma categórico ao denunciar a corrupção e o caráter militar e policialesco do regime. Acrescenta que o fato de esquerdistas apoiarem Maduro em várias partes do mundo representa “uma desfiguração dessas esquerdas”, pois “muitas abordagens de um partido que se diz de esquerda coincidem com as abordagens de direita”.
A revista de esquerda francesa, Les Temps Modernes, fundada por Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir, já havia rompido com o regime de Maduro em 2018, acusando-o de ter promovido um grande fracasso. Noam Chomsky foi taxativo em afirmar que a Venezuela não é socialista e que “o capitalismo privado se manteve”. O sociólogo alemão Heinz Deiterich, ideólogo do “Socialismo no Século XXI” e ex-assessor de Chávez, vem denunciando o regime desde a ascensão de Maduro em 2013. Para ele, além de restaurar o rentismo, o regime não respeita os mecanismos democráticos.
Maduro faz na Venezuela o que Bukele faz em El Salvador, Ortega faz na Nicarágua e o que Bolsonaro queria fazer no Brasil. Ele domina o parlamento, a Suprema Corte e a Comissão Eleitoral Nacional, o exército e as polícias, instituições de Estado transformadas em aparatos de controle e repressão madurista. Bolsonaro comprou o parlamento com o orçamento secreto e investiu forte contra o STF e o TSE, querendo dominá-los, até com articulações de prisões e substituições de juízes.
Agora, com a brutal repressão desencadeada pelas forças policiais-militares de Maduro contra os protestos populares, é o Partido Comunista da Venezuela (PCV), que denuncia a fraude eleitoral:
“El Buró Político del Comité Central del Partido Comunista de Venezuela (PCV) hace un llamado a las fuerzas genuinamente democráticas, populares y patrióticas a unir fuerzas para defender la voluntad del pueblo venezolano que se expresó este domingo 28 de julio con una clara intención de cambio político en el país.
Alertamos a la opinión pública internacional que así como el Gobierno de Nicolás Maduro há despojado al pueblo venezolano de sus derechos sociales y económicos, hoy pretende privarlo de sus derechos democráticos”.
O PCV é perseguido por Maduro e em 2023 a sigla sofreu um sequestro pelos órgãos judiciais do regime, com intervenção e destituição de dirigentes. O partido Marea Socialista também não reconhece a vitória de Maduro e o acusa de proibir candidaturas, atacar organizações políticas e privar o povo de seus direitos democráticos. Vários partidos comunistas das Américas se solidarizaram com o PCV e com os outros partidos e movimentos de esquerda que não reconhecem a vitória de Maduro. Gustavo Martinez, dirigente do Marea Socialista, acusa Maduro de ter “preparado as eleições à sua medida, de forma antidemocrática e autoritária, agredindo organizações políticas, proibindo ou desqualificando candidaturas”.
Os bairros mais ativos e que puxam os protestos contra a autodeclaração de vitória de Maduro são tradicionais redutos do chavismo, que se revoltam contra a herança trágica promovida pelo regime corrupto e rentista que se apodera das riquezas produzidas pelo petróleo. Em bairros como Caricuao, Catia Petare, La Veja e El Cementerio, os panelaços e as manifestações de rua foram recorrentes nos últimos dias. Os jovens que puxam os protestos afirmam que eles não são liderados nem por partidos e nem pelos políticos da oposição. Dizem que a fraude eleitoral precisa ser interrompida e que o governo de Maduro precisa sair. Se declaram cansados de ser maltratados.
Sustentam ainda que o governo roubou sua dignidade, que eles não têm sequer dinheiro para comprar comida para os filhos. “Olhe os meus sapatos, estão furados e não tenho dinheiro para comprar novos”, disse um jovem de Petare, em Altamira. Maduro respondeu com repressão violenta que matou mais de 20 pessoas. Mais de dois mil manifestantes foram presos. Pepe Mujica tem razão: trata-se de uma ditadura.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “