O Partido Comunista Brasileiro (PCB) irá apoiar a pré-candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) para prefeito de São Paulo. Em nota, a Comissão Política Regional e a Coordenação Municipal do partido comunicou sua decisão de se juntar aos partidos PDT, Rede, PV e PMB, que apoiaram a derrubada de Dilma Rousseff em 2016, em apoio ao deputado federal. O Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) também estarão na chapa encabeçada pelo psolista.
O apoio a uma candidatura cuja maioria dos partidos apoiou abertamente um golpe de Estado é tão constrangedor que, durante toda a nota em que anuncia o apoio a Boulos, o PCB se preocupa em se defender diante das inevitáveis críticas que virão. Que dizer de um partido “comunista” que irá se lançar em uma chapa com o PDT de Ciro Gomes, que, recentemente, se abraçou ao partido de Jair Bolsonaro, o PL, para combater o PT? Que dizer de um partido “comunista” que irá fazer campanha para o PV de Eduardo Jorge e da Rede de Marina Silva, que apoiaram Aécio Neves, o candidato do golpe de Estado, em 2014?
Logo de cara, o PCB apresenta a resposta: “é necessário conter o avanço da extrema direita em São Paulo”. Sem dúvidas. Mas como o PCB irá conter o avanço da extrema direita com os partidos que apoiaram o golpe de Estado de 2016 – que, por sua vez, foi o evento dos últimos 10 anos que mais contribuiu para o avanço da extrema direita? Mas a candidatura – diria o PCB – não é apenas do PDT, da Rede e do PV. Ela é, principalmente, de Guilherme Boulos. O que só piora a situação.
Guilherme Boulos, embora não tenha defendido abertamente a derrubada de Dilma Rousseff, foi parte da mesma operação que levou à sua queda. Enquanto Marina Silva pedia voto para Aécio Neves, os deputados do PV e do PMB votavam a favor do impeachment na Câmara dos Deputados, Guilherme Boulos fazia campanha pelo “Não vai ter Copa” e contra a política fiscal do governo, o que apenas serviu para confundir os trabalhadores e acelerar a derrubada da presidenta.
O combate à extrema direita, portanto, já não serve de desculpa.
O problema, no entanto, permanece. Ricardo Nunes (MDB) é um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro? Sim. O candidato do PSDB, José Luiz Datena, é de extrema direita? Sim. Não seria lógico, então, apoiar o candidato que, ainda que tivesse apoiado o golpe de 2016, não é diretamente ligado à extrema direita? De forma nenhuma.
A única forma de derrotar a extrema direita é por meio da luta de classes, não por meio de arranjos eleitorais ou institucionais. Dois exemplos mostrarão isso claramente.
No Chile, Gabriel Boric foi apresentado como o “mal menor” diante de José Antonio Kast, de extrema direita. Acabou sendo eleito, graças a partidos como o PCB, que disseram que era necessário “conter o avanço da extrema direita”. Boric conteve a extrema direita? Não, pelo contrário. Ele reabilitou a extrema direita, que havia sofrido um duro golpe com as mobilizações de 2019.
Na Venezuela, por sua vez, a extrema direita tentou tomar o poder não apenas por meio de uma eleição, mas sim por meio de um golpe de Estado, envolvendo, inclusive, milícias fascistas. Foi a grande mobilização das massas venezuelanas que impediu que o golpe acontecesse – mobilização essa que jamais acontecerá para defender uma candidatura de partidos golpistas.
Se o PCB quer conter a extrema direita, ele deve fazê-lo. Mas apoiar uma pré-candidatura como a de Guilherme Boulos não cumpre esse papel.
O PCB, então, argumenta que compreende “o processo eleitoral como parte da luta pela emancipação da classe trabalhadora, ainda que com seus diversos limites (de representação da classe, de alcance midiático, dos limites da própria democracia burguesa). Se furtar de participar do processo, onde a população está mais atenta e interessada na política para a cidade, é um erro.”
De fato, não participar do processo eleitoral seria o mesmo que virar as costas para um amplo setor da população. Mas por que razão “participar do processo” seria sinônimo de apoiar uma candidatura de partidos golpistas? O PCB é um partido legalizado, pode lançar seus próprios candidatos. Poderia participar do processo eleitoral sem ter que, para isso, pedir voto para o homem do “Não vai ter Copa”, para o partido de Ciro Gomes, para os cabos eleitorais de Aécio Neves etc.
Para o PCB, no entanto, o apoio a Boulos é necessário porque o partido entende esse apoio como um compromisso político. Ele considera que, ao mesmo tempo em que a vitória de Boulos servirá para “dar algum respiro à classe trabalhadora paulistana”, também permitirá ao partido fazer propaganda de seu programa e, assim, fazer a luta dos trabalhadores avançar. Afinal, o partido promete “trazer as propostas concretas para a classe trabalhadora”, “pautar a superação do capitalismo”, diz que “não baixaremos nossas bandeiras em nenhum momento da pré-campanha e da campanha eleitoral” e jura que “nunca recuará de apresentar suas pautas e de estar nas ruas, nos locais de trabalho e de moradia, ao lado da classe trabalhadora, para derrotar a extrema-direita”.
Acontece que esse tipo de compromisso está fadado ao fracasso. É o famoso compromisso da esquerda com os “falsos amigos” – isto é, com os seus inimigos de classe que se apresentam como grandes aliados. Em toda a história do movimento operário, sempre apareceram os oportunistas que, jurando amores à classe operária, estenderam-lhe a mão para que, no momento oportuno, lhe esfaqueasse pelas costas. São como o escorpião da fábula que, após ser ajudado pelo sapo a chegar do outro lado do rio, o ataca.
A experiência do movimento operário já demonstrou que, para que um compromisso seja estabelecido, é preciso levar em consideração, em primeiro lugar, a luta de classes. Aquele que estende a mão é um aliado ou um inimigo? E o que ele propõe, é o nosso programa ou o dele? Não é difícil de responder. Quem propõe o acordo, a pré-candidatura de Guilherme Boulos, não tem nada a ver com o movimento operário. É uma pré-candidatura dos empresários, da imprensa burguesa, dos marqueteiros. Uma candidatura que propõe alimentar as máfias das empresas de ônibus, que fecha os olhos para o sofrimento do povo palestino e que promete aumentar a repressão.
O PCB não entende que um partido operário não é como os outros partidos do regime. E, por isso, não deveria atuar como os outros. Os trabalhadores não lutam por uma esmola – isto é, por um “respiro”. Não lutam para serem simplesmente acomodados em um regime podre de exploração. Não querem ser comprados com um calçamento de rua ou com um programa social medíocre enquanto seus irmãos passam frio na rua, morrem de doenças facilmente curáveis ou são brutalmente reprimidos nas cadeias. Os trabalhadores urgem por uma transformação social que passa, necessariamente, pela luta contra os privilegiados que fazem de Boulos uma marionete.
É por essa realidade que, em 1899, o revolucionário alemão Wilhelm Liebknecht esclareceu qual era o papel do partido operário: “todos os que estão cansados e sobrecarregados; todos os que sofrem sob a injustiça; todos os que sofrem as atrocidades da sociedade burguesa existente; todos que têm em si o sentimento do valor da humanidade, olham para nós, voltam-se esperançadamente para nós, como o único partido que pode trazer resgate e libertação”. O PCB, no entanto, fala em nome da classe operária, fala em nome dos trabalhadores, mas se apresenta como um postulante a amigo do regime. Um partido como qualquer outro. Ou, como diria o próprio Liebknecht, “um falso messias”:
“Se nós, os oponentes deste mundo injusto de violência, de repente estendermos a mão da irmandade para ele, concluirmos alianças com seus representantes, convidarmos nossos camaradas a irem de mãos dadas com o inimigo cujas maldades levaram as massas para nosso campo, que confusão deve resultar em suas mentes! Como as massas podem continuar acreditando em nós? Se os homens do partido clerical, do partido progressista e dos outros partidos corruptos são nossos camaradas, então por que a luta contra a sociedade capitalista, cujos representantes e campeões são todos esses? Que razão temos, então, para existir? Deve ser que, para os centenas e milhares, para os milhões que procuraram salvação sob nossa bandeira, foi tudo um colossal erro vir para nós. Se não somos diferentes dos outros, então não somos os certos – o Salvador ainda está por vir; e a Social-Democracia foi um falso Messias, não melhor do que os outros falsos!”
Ao levantar o braço de Boulos, o PCB não está emancipando a classe trabalhadora. Está, na verdade, jogando areia nos olhos dos trabalhadores, convidando os falsos amigos para as suas fileiras, fazendo os seus inimigos se passarem por amigos. Para um partido que aspire a fazer parte do regime, pode haver algo a ganhar. Para os trabalhadores, tal política deve ser atirada à lata do lixo.