Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, Herói da Pátria
por Urariano Mota
“ENTRE MARÍLIA E A PÁTRIA
Frei Caneca
Entre Marília e a pátria
Coloquei meu coração:
A pátria roubou-me todo;
Marília que chore em vão.
Quem passa a vida que eu passo,
Não deve a morte temer;
Com a morte não se assusta
Quem está sempre a morrer….”
O livro “Frei Joaquim do Amor Divino Caneca” tem um sério e grave defeito. As suas 728 páginas impedem que a gente anuncie logo ao mundo que o livro chegou, que ele está em nossas mãos. Nos 200 anos, no Bicentenário da Confederação do Equador, para a edição do livro, a CEPE teve a sábia medida de entregar a sua organização e introdução ao historiador mais erudito do Brasil, o pernambucano Evaldo Cabral de Mello.
Irmão de um dos poetas fundamentais da língua portuguesa, do genial João Cabral de Melo Neto, Evaldo Cabral escreve uma introdução ao personagem maior da Confederação do Equador, que nos dá o contexto da sua luta.
“A Confederação do Equador teve a mesma sorte da República de 1817. A menos no desfecho militar que tiveram, é notável o paralelismo entre ambas. Do 2 de julho por diante, a história da Confederação torna-se a narrativa de uma derrota.”
E recupera adiante, para todos nós leitores, em que consistia a excelência do escritor e agitador Frei Joaquim do Amor Divino Caneca.
“Sem dúvida – escreve Frei Caneca – estarás lá dizendo contigo: ‘É possível que brasileiros, que homens reputados por patriotas, e que se mostravam tão interessados pelo bem do seu país, sejam agora os primeiros verdugos de seus compatriotas, os opressores de sua mesma nação, os tiranos de sua pátria?’. Não é possível, como é o que estão nossos olhos vendo e nossas orelhas ouvindo.”
Para nossa felicidade, são recuperadas de Frei Caneca as edições do Typhis Pernambucano. Esse foi um jornal jamais visto em outro lugar do mundo. Fundado e editado por Frei Caneca, no contexto da Confederação do Equador, era semanal, de todas as quintas-feiras.
“Quando a nau da pátria se acha combatida por ventos embravecidos; quando, pelo furor das ondas, ela ora se sobe às nuvens, ora se submerge nos abismos; quando levada pelo furor dos euripos, feita o ludibrio dos mares, ela ameaça naufrágio e morte, todo cidadão é marinheiro; um dever sustentar o timão, outro por a cara ao astrolábio, ferrar o pano outro, outro alijar ao mar os fardos que a sobrecarregam e afundam, cada um prestar a diligência ao seu alcance, e sacrificar-se pelos cidadãos em perigo.”
Firme neste princípio, eu levanto a voz do fundo da minha pequenez e te falo oh Pernambuco, pátria da liberdade, asilo da honra e alcance da virtude!
Em outra edição do jornal:
“Não é preciso ser um gênio em penetração para conhecer o espírito do povo da cidade de Olinda, capital da província de Pernambuco, a respeito do negócio da liberdade do Brasil”.
Então chegamos às páginas do cinismo, do aparato processual da sua condenação. Aqui, a sentença, já decidida, se faz com retórica abusiva e odiosa.
“Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, como escritor de papéis incendiários”.
“Achando-se a integridade deste Império ameaçada pela desastrosa rebeldia e facção de alguns habitantes de Pernambuco..”
“Disse que sabe, por ser público, que ele primeiro réu era escritor de papéis, que continham uma doutrina incendiária, a qual também propagava em seus discursos”.
E por fim o seu destino de morte:
“e por isso incurso na pena de morte natural estabelecida no §9; na qual simplesmente o condenaram, sendo primeiro exautorado (despojado do cargo e autoridade) das ordens e honras eclesiásticas; e esta sentença mandaram se execute como nela se contém”.
“Certifico que o réu frei Joaquim do Amor Divino Caneca foi conduzido ao lugar da forca das Cinco Pontas, e aí pelas nove horas da manhã padeceu morte natural, em cumprimento da sentença da comissão militar, que o julgou, depois de ser desautorado das ordens na igreja do Terço, na forma dos sagrados cânones; e sendo atado a uma das hastes da referida forca, foi fuzilado de ordem do exmo. senhor general e mais membros da dita comissão, visto não poder ser enforcado pela desobediência dos carrascos”.
Recife de Pernambuco, 13 de janeiro de 1825
Observem que está registrado em documento oficial da infâmia. Frei Caneca “foi fuzilado de ordem do exmo. senhor general e mais membros da dita comissão, visto não poder ser enforcado pela desobediência dos carrascos”.
Esclareça-se também o eufemismo trágico, bárbaro, dos costumes do Império, a chamada “Morte natural”. Morte natural não era a morte causada por doença ou por falência orgânica devido a idade avançada de uma pessoa. Não. Morte natural era a morte por enforcamento, determinada por sentença judicial.
Aos 45 anos de idade ele deixou os pernambucanos no Recife. Alto, digno, honrado, eterno:
“Entre Marília e a pátria
Coloquei meu coração:
A pátria roubou-me todo;
Marília que chore em vão.
Quem passa a vida que eu passo,
Não deve a morte temer;
Com a morte não se assusta
Quem está sempre a morrer….”
*Vermelho https://vermelho.org.br/coluna/frei-joaquim-do-amor-divino-caneca-heroi-da-patria/
Urariano Mota é escritor e jornalista. Autor do “Dicionário Amoroso do Recife”, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “A mais longa duração da juventude” (traduzido para o inglês como “Never-Ending Youth”). Colunista do Vermelho e do Brasil 247. Colaborador do Jornal GGN.