Por [Novo nome 1], [Novo nome 2], [Novo nome 3] e [Novo nome 4]*
Da Página do MST
Confira a segunda parte do artigo sobre o “Marco Temporal e outras armadilhas neoliberais: a velha aliança genocida do capital e Estado sobre os Guarani Kaiowá (MS)”, produzido pelas autoras.
Demarcação de terra que nunca sai do papel
O processo demarcatório da Terra Indígena (TI) Panambi-Lagoa Rica iniciado em 2005, está suspenso desde 2011 por uma ação judicial no Tribunal Regional Federal (TRF3), a partir de sentença favorável ao produtor rural em fase de recurso. Em 2016, o processo de demarcação foi anulado na 1ª Vara Federal de Dourados por um juiz que se baseou na tese do Marco Temporal, a qual obriga os povos originários a comprovar a ocupação dos territórios em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição como condição para efetivar a demarcação.
Durante décadas a fio, a Reforma Agrária e a demarcação dos territórios indígenas têm sido sistematicamente engavetadas nos labirintos dos rituais burocráticos apesar de serem transformações estruturais necessárias à concretização dos direitos sociais e da dignidade dos povos do campo e da classe trabalhadora, em especial dos povos originários. O congelamento das demarcações de terras indígenas previstas na Constituição de 1988 responde, por um lado, ao bloqueio histórico das reformas estruturais outrora prometidas pela industrialização fordista e escamoteadas no período neoliberal. Por outro lado, as saídas impostas autoritariamente pelas classes dominantes brasileiras e internacionais em tempos de hegemonia financeira apontam para o viés neoliberal e privatizante do mercado. A flexibilização da Constituição de 88 se efetiva através da lei 14.701/23, ainda que todas as ações judiciais que se baseiam no Marco Temporal estão suspensas por determinação do STF.
Ao instituir o Marco Temporal através desta lei, a bancada ruralista promoveu aumento significativo da violência e da insegurança física e jurídica dos povos originários, implicando graves retrocessos como o questionamento de territórios em processo de demarcação ou já demarcados, a anulação da voz das comunidades indígenas referente à entrada nos seus territórios de projetos extrativistas de mineração e grandes empreendimentos, e a legalização de práticas de arrendamentos destinadas à produção de commodities agrícolas.
A ocupação pelos povos indígenas de suas terras tradicionais e por eles habitadas em caráter permanente são direitos originários, segundo os artigos 231 e 232 da Constituição de 1988. Isto significa que a ocupação é anterior às leis fundiárias e de parcelamento do solo em propriedades privadas e antecede qualquer normativa legal da sociedade brasileira. O questionamento do direito originário através da indenização prévia da terra nua e a permuta implementada fora do processo administrativo demarcatório cumpre a função de colocar as terras tradicionais das comunidades no balcão do mercado nacional e internacional.
A substituição do arcabouço constitucional por estas políticas parciais e mercantilizantes vem tomando conta dos operadores burocratizados do Estado e dos governos de turno, independentemente da cor político-partidária. Há uma convergência unânime em torno da compra de terras para indenizar os fazendeiros ou a permuta por fora dos processos demarcatórios. Em evento de oficialização da exportação de carnes rumo à China, realizado no frigorífico da JBS em Campo Grande no começo deste ano, o presidente Lula anunciou a compra de uma fazenda para os Guarani e Kaiowá na beira da estrada. Ao mesmo tempo, conclamou o governador do estado, Eduardo Riedel, a criar uma parceria para a compra de propriedades rurais para assentar os indígenas.
A liberalização dos Territórios Indígenas, efetuada a partir da deslegitimação ideológica da tradicionalidade pela via da indenização prévia da terra nua, abre a possibilidade de que variantes distorcidas de permuta sejam realizadas de forma completamente diferente do estabelecido por lei. Grandes proprietários podem passar a oferecer terras altamente degradadas às comunidades que reivindicam territórios condicionando a entrega da terra ao recuo das comunidades e a saída das retomadas.
Os limites do Estado e da administração do conflito
No dia 17 de julho, os fazendeiros locais entraram com ação judicial de reintegração de posse ajuizada na 1ª Vara Federal de Dourados, com pedido de antecipação de tutela para o despejo da comunidade Guarani e Kaiowá. O pedido dos ruralistas foi aceito e legitimado pelo juiz, que deu cinco dias para que a comunidade saia do seu legítimo território tradicional, já identificado a partir do processo demarcatório.
A ampla gama de instituições criadas para resguardar os direitos territoriais dos povos originários: Gabinete de Crise do MPI, Grupo de Trabalho Povos Indígenas (GTPI), Defensoria Pública da União (DPU), Departamento de Mediação de Conflitos do MPI, Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) – se mostra inofensiva e inoperante diante do jogo de forças com que os fazendeiros contam na hora de perpetrar um despejo que anuncia mais um derramamento de sangue.
A política de apaziguamento das lutas já foi percebida pelos povos indígenas que resistem e se recusam a abandonar seus territórios secularmente usurpados. A poucos dias de execução do despejo e de um iminente massacre, o povo Guarani Kaiowá mantém a sua resistência e mostra que a única reconciliação possível se encontra na demarcação das terras indígenas.
Referências:
1. O Leilão da Resistência foi iniciado nas campanhas que levaram posteriormente à eleição do governo Bolsonaro e foi promovido pela Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), com apoio e presença de parlamentares vinculados à bancada ruralista no Congresso Nacional. Riedel, enquanto ruralista, empresário e governador, foi presidente do Sindicato de Maracaju, vice-presidente na Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul e diretor da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
*Editado por [Novo nome 5]