Por Maria Alice Nunes Costa

Dez anos e seis meses após sua aprovação, o Brasil assistiu a pouquíssimos avanços no plano mais ambicioso do século para melhorar a qualidade da educação no país. O Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014 pelo governo federal com promessas de revolucionar o setor, hoje não passa de um conjunto de promessas vazias e um retrato da ineficiência das políticas públicas e da falta de compromisso de quem as executa. O que era para ser um marco histórico na luta por uma educação melhor para todos, hoje deixa muito a desejar e segue sem ter o que comemorar.

No papel, o Brasil possui um grande arcabouço legal que visa garantir o direito à educação ampla e irrestrita. Seus dois principais exemplos são a própria Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Mas na prática, essas leis se transformaram em letras mortas, sem a efetiva realização das medidas necessárias para garantir o cumprimento das leis.

Em 2014, o PNE foi criado com 20 metas detalhadas, destinadas a democratizar o acesso à educação, melhorar a qualidade do ensino e fortalecer a infraestrutura educacional do país. No entanto, hoje o panorama é desolador: apenas quatro destes 20 objetivos foram cumpridos integralmente. Os demais se encontram em atraso significativo. E alguns deles até mesmo em retrocesso.

Além disso, o PNE também determinou que o país investisse 10% do PIB em educação até, justamente, este ano de 2024. Há dez anos, portanto, o Brasil assinou a decisão de encarar o desafio de alcançar uma meta crucial para o desenvolvimento social e econômico do país. Porém, segundo o último relatório de monitoramento da lei, feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2023, o investimento brasileiro em educação pública chega hoje a apenas 5,5% do PIB.

As razões

O descumprimento das metas do PNE expõe os desafios estruturais que impedem o avanço da educação brasileira. A falta de investimento adequado, a má gestão dos recursos públicos, a desvalorização da profissão docente, as desigualdades sociais e a corrupção são apenas alguns dos obstáculos que precisam ser superados para que o PNE um dia se torne realidade.

O sistema de financiamento da educação no Brasil é desigual, com as escolas públicas dos estados mais pobres recebendo menos recursos per capita do que as escolas dos estados mais ricos. Essa desigualdade no financiamento, aliada à má gestão dos recursos públicos destinados à educação, contribui para a perpetuação das desigualdades educacionais.

A profissão docente no Brasil segue sendo desvalorizada, com baixos salários, falta de oportunidades de formação continuada e condições de trabalho precárias. Essa despriorização impacta diretamente na qualidade do ensino, desmotivando os profissionais da educação e dificultando a atração e retenção de talentos qualificados.

Longo histórico de descumprimentos

A desvalorização salarial dos professores é um dos principais desafios da educação brasileira desde muito antes da instituição do PNE. E a cada ano que passa, este cenário exige novas e mais urgentes medidas para garantir a dignidade da profissão e uma qualidade mínima de ensino para todos. Mas não é o que acontece.

Em 2024, uma outra lei importante e mal cumprida – a do Piso Salarial dos Professores (Lei 11.738/2008) – completa 16 anos de promulgação sem ser cumprida completamente. Ela estabeleceu um valor mínimo mensal, com o objetivo de garantir condições dignas de trabalho e incentivar a profissionalização da carreira. O valor do piso deve ser reajustado anualmente, e em 2024, está oficialmente fixado em R$ 4.580,57 para jornadas de 40 horas semanais.

Desafios históricos e novas urgências

Os dados acima são apenas um dos aspectos da crise permanente da educação pública brasileira. Seus desafios históricos precisam ser superados o quanto antes para que o país possa ter um dia a prosperidade econômica e social que todos almejam. Para isso, é necessário um compromisso político firme com o investimento em infraestrutura e a valorização dos professores. E isso é só o começo: para se adequar à realidade dos tempos atuais, é urgente também a atualização do currículo escolar e o combate às desigualdades no acesso ao ensino, entre outras políticas públicas.

Exemplos de fora

Os exemplos recentes da Coreia do Sul, Cingapura, Estônia, Vietnã e Finlândia demonstram que o investimento em educação de qualidade é uma estratégia fundamental para o crescimento e desenvolvimento econômico e social. Ao apostar na educação, esses países obtiveram sucesso. Infelizmente, a cultura de exploração e desigualdade oriunda dos tempos de escravização ainda entranhada em parte da nossa elite empresarial e política não nos permite evoluir significativamente nessa área.

Não apenas quanto, mas como

Interessante notar também que, em termos de percentagem do PIB, o investimento em educação dos países citados acima é similar ao do Brasil. E qual a razão então para tanta diferença? Justamente o cumprimento correto da legislação. Finlândia, Cingapura, Coreia do Sul, Vietnã e Estônia possuem e cumprem programas de formação de professores rigorosos e de alta qualidade; usam os recursos destinados à educação de forma eficiente e eficaz; e praticam políticas públicas eficazes para garantir um sistema educacional inclusivo e de qualidade.

Desigualdade histórica e permanente

Porém, a maioria das elites políticas, apesar de sempre serem eleitas com promessas de investimentos na Educação pública, não conseguem ou não querem enxergar a relevância da questão para o desenvolvimento do país. Historicamente, pertencem a classes abastadas que se beneficiam de um sistema educacional elitista e desigual. Essa experiência molda sua visão sobre a educação, levando-os a priorizar o ensino privado e de alta qualidade para poucos, e negligenciar a importância da educação pública para todos, perpetuando assim um sistema educacional precário e desigual.

Maria Alice Nunes Costa é doutora em planejamento urbano e professora, Universidade Federal Fluminense (UFF)

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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Última Atualização: 02/08/2024