O recente caso do uniforme da delegação brasileira nas Olimpíadas de Paris gerou uma onda de controvérsias. O conjunto foi alvo de críticas por seu visual discreto, composto por blusas listradas, saias e calças brancas, e jaquetas jeans bordadas com animais da fauna brasileira. Na internet, os memes logo associaram as roupas à estética conservadora. Rapidamente, muitos apressados surgiram acusando um suposto preconceito contra evangélicos e sua forma de vestir. A discussão foi rapidamente reduzida a uma questão de intolerância religiosa, com vozes defendendo que a simplicidade e modéstia do vestuário evangélico estavam sob ataque. A questão, no entanto, é muito mais complexa.
Não há um problema inerente na simplicidade ou na forma como os evangélicos concebem a moda e a cultura. A simplicidade pode ser elegante, pode ser sofisticada – e pode até ser moderna. O problema está na natureza da estética hoje propagada entre os evangélicos no Brasil: ela não fala sobre quem são, não é uma expressão autêntica de uma identidade cultural diversa. Em vez disso, é fruto de uma tentativa de apagamento de outras realidades culturais e históricas. A simplicidade evangélica, tal como apresentada hoje, não é uma afirmação de identidade, mas uma negação, uma forma de resistir ao reconhecimento e à valorização das múltiplas realidades que compõem a sociedade brasileira. Ao não desenhar uma identidade, essa estética contribui para um apagamento cultural que empobrece a pluralidade do Brasil contemporâneo.
A abordagem simplista do modo de ser evangélico acaba se apagando nas nuances da vida cotidiana. Não é uma questão de modéstia e minimalismo. É apagamento cultural, a defesa do vazio estético como forma de anular o diferente. Assim, essa suposta simplicidade se torna ferramenta de invisibilidade, evitando a afirmação de uma presença cultural rica e distintiva. A abordagem resulta em uma estética que não consegue comunicar uma identidade forte e positiva e leva a percepções de desinteresse e apatia cultural, ao contrário de outros grupos que utilizam a moda e como formas de afirmar sua presença.
A falta de integração da estética evangélica com as tendências contemporâneas revela a resistência em se envolver com o diálogo cultural mais amplo. Enquanto outras comunidades incorporam elementos modernos em suas práticas e expressões estéticas, os evangélicos frequentemente mantêm uma postura de distanciamento. O debate não é sobre uma suposta preferência por modéstia, mas da aversão ativa a qualquer mudança que possa ser percebida como comprometimento com valores mais progressistas. Por isso, o público logo relacionou o uniforme da delegação brasileira nas Olimpíadas de Paris aos evangélicos, justamente pela percepção da estética rígida e antiquada que, muitas vezes, cria o estigma de que evangélicos estão presos a valores ultrapassados e são incapazes de se adaptar às mudanças sociais.
Esse processo de apagamento da identidade cultural vai muito além da moda e se manifesta, por exemplo, na arquitetura e na música. Os templos evangélicos modernos frequentemente priorizam a funcionalidade sobre a estética, resultando em construções utilitárias. Diferentemente das igrejas históricas que deixaram legados arquitetônicos, os novos templos não buscam um impacto visual ou cultural. São, na maioria das vezes, espaços que atendem às necessidades imediatas dos congregados, mas falham em se tornar marcos ou símbolos de uma identidade coletiva forte. Da mesma forma, a música evangélica moderna, o gospel, apesar de popular, adota uma abordagem homogênea e repetitiva. A riqueza que poderia estar presente é negligenciada em favor de fórmulas que garantem adesão rápida e fácil, mas que carecem de inovação e sofisticação.
Os memes e comentários que surgem em resposta ao uniforme da delegação brasileira nas Olimpíadas não são, em sua essência, um ataque à forma de ser evangélica, à modéstia ou à simplicidade. O que realmente se critica é a falta de identidade, o apagamento cultural deliberado que caracteriza a estética evangélica contemporânea no país. O que se observa hoje é uma tendência obscurantista que confunde simplicidade com anulação cultural. A igreja evangélica brasileira de hoje não contribui de forma duradoura para a moda, com suas roupas funcionais e sem inspiração; para a arquitetura, com seus templos utilitários e desprovidos de beleza; ou para a arte e literatura, com suas produções simplistas e desprovidas de profundidade. Nem mesmo na política a influência evangélica se traduz em um legado.
A crítica, portanto, não é à simplicidade em si, mas à maneira como ela é usada para evitar a afirmação de uma identidade coletiva e culturalmente significativa. É uma chamada para que a comunidade evangélica reconheça e valorize seu potencial para criar e deixar um legado que celebre sua verdadeira riqueza e complexidade, ao invés de se esconder atrás de uma fachada de modéstia mal interpretada.