A floresta arde, os rios secam. Diante do olhar impotente das populações ribeirinhas, tribos indígenas, comunidades extrativistas e demais habitantes da Amazônia, o início do período de estiagem no maior bioma brasileiro apresenta, em 2024, efeitos ainda mais intensos e precoces do que no ano passado, quando ocorreu o que os especialistas classificaram como a maior seca amazônica de todos os tempos. Normalmente, a vazante dos rios na região tem início entre os últimos dias de junho e o fim da primeira quinzena de julho, mas, sob a influência dos fenômenos climáticos El Niño e La Niña, que alteram a temperatura das águas superficiais do Oceano Pacífico e este ano ocorreram sucessivamente, o nível dos rios amazônicos começou a baixar ainda na primeira quinzena de junho.
A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) anunciou ter intensificado, nas duas últimas semanas, o processo de monitoramento hidrológico dos rios Madeira e Purus e declarou estado de “escassez quantitativa de recursos hídricos” em suas respectivas bacias. A diminuição acentuada do nível das águas também acontece nos rios Negro e Solimões, com efeitos de limitação à navegação, meio de transporte e comércio muito utilizado pelas populações de cidades importantes como Manaus e Tabatinga, entre outras. O caso mais grave acontece no sudeste do estado do Amazonas, onde a combinação de seca e desabastecimento começa a configurar um quadro emergencial de saúde pública.
O governo tem sido bem-sucedido na captação de recursos, mas é criticado pela demora na execução dos projetos apoiados
Não bastassem as dificuldades trazidas pelas mudanças climáticas, foram registrados no primeiro semestre de 2024 quase 13,5 mil focos de incêndio no bioma, aumento de 61% em relação ao mesmo período no ano passado, informa o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Foi também o terceiro maior número registrado na história, atrás somente de 2003 (17,1 mil) e 2004 (17,3 mil). Assim como no Pantanal ou no Cerrado, a maioria dos incêndios florestais amazônicos é provocada pela ação humana, deliberada ou não.
Não é por falta de recursos que a floresta padece. O governo federal tem sido bem-sucedido na missão de fortalecer os mecanismos de financiamento a projetos de preservação e desenvolvimento econômico sustentável da Amazônia, seja através da emissão de “títulos verdes” do Tesouro Nacional (green bonds), da criação de linhas de financiamento para os setores público e privado ou do fortalecimento dos fundos ambientais. Menina dos olhos, o Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES, já atingiu 6,7 bilhões de reais em recursos, bolo que deve aumentar com a promessa de doação de 20 milhões de euros (cerca de 120 milhões de reais) feita pela União Europeia.
A intenção foi formalizada em documento assinado pela comissária de Parcerias Internacionais da UE, Jutta Urpilainen, e pelo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, durante o IV Fórum Brasil–UE, realizado, em julho, no Rio de Janeiro. Embora ainda não concretizada, a doação europeia é uma “sinalização muito importante”, avalia Mercadante. “Ela dá muito respaldo e credibilidade ao Fundo, que se consolidou por ter uma gestão transparente e eficiente.”
Vilão do desmatamento, o governo Bolsonaro espantou Noruega e Alemanha, tradicionais doadores, que congelaram em zero as doações ao Fundo Amazônia entre 2019 e 2022. Com a retomada das captações no governo Lula, o Fundo, segundo o BNDES, soma no momento 1,03 bilhão de reais em contratos assinados e 2,8 bilhões em novas doações. Além disso, o escopo de doadores foi aumentado com a entrada de Estados Unidos, Japão, Reino Unido, Suíça e Dinamarca, além da União Europeia.
Pequenas ONGs acusam o BNDES de favorecer as grandes entidades. A diretora Tereza Campello diz ter espaço para todos
Curiosamente, os rendimentos gerados pelo Fundo, em sua maioria acumulados durante os quatro anos de paralisia bolsonarista, fizeram o saldo engordar em 2,9 bilhões de reais, totalizando os 6,7 bilhões atualmente em caixa. Para a diretora da área socioambiental do BNDES, Tereza Campello, a grande realização do atual governo foram os novos contratos assinados: “Mesmo sendo valores menores em alguns casos, pela primeira vez o Fundo recebeu recursos de seis países diferentes. Isso mostra não só o reconhecimento pela retomada, mas também a confiança dos doadores internacionais na execução dos recursos”.
Campello ressalta que os valores recebidos pelo Fundo Amazônia nos últimos dois anos se equiparam ao período de 2012 a 2016, momento de maior vigor das doações, que giravam em torno de 400 milhões de reais anuais. Desde o início do Fundo, foram gastos em torno de 1,6 bilhão de reais, além de 845 milhões contratados, mas ainda não desembolsados. Outros 996 bilhões de reais em recursos ainda não foram contratados, mas estão aprovados ou fazem parte de editais lançados pelo BNDES.
Apesar do balanço positivo, e a considerar o volume significativo de recursos disponíveis, a execução dos projetos financiados tem sido criticada como lenta e ineficiente por alguns representantes da sociedade civil que integram o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), órgão responsável por definir a aplicação do dinheiro. “A burocracia e a complexidade administrativa envolvidas no processo de aplicação e prestação de contas são fatores que contribuem para essa lentidão”, diz Adilson Vieira, representante do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS) no colegiado. Pequenas entidades e organizações comunitárias, que possuem capacidades administrativas limitadas, encontram dificuldades para participar do processo, acrescenta o ambientalista. “A falta de capacitação e suporte técnico impede os pequenos de tocar projetos e gerir recursos de maneira eficaz.”
Vieira questiona o escopo dos projetos e aponta “uma tendência em favorecer grandes entidades com maior capacidade administrativa e financeira, marginalizando pequenas associações comunitárias e organizações de base”. O dirigente do FBOMS usa como exemplo a reunião da Comissão de Classificação de Projetos (CCP), que definiu as propostas habilitadas na chamada pública “Amazônia na Escola: Comida Saudável e Sustentável”, projeto que busca integrar a produção de alimentos amazônicos à merenda escolar dos estados da região. A eliminação da maioria das propostas apresentadas, observa, demonstra uma “excessiva rigidez” nos processos de seleção: “Das 37 propostas habilitadas, apenas dez foram classificadas, enquanto sete ficaram em cadastro de reserva. Esses números indicam um baixo índice de sucesso para muitas iniciativas, especialmente aquelas que não dispõem de recursos técnicos e administrativos robustos”. O ambientalista defende a simplificação dos processos administrativos e maior oferta de suporte técnico: “Tais medidas são fundamentais para democratizar o acesso aos recursos, para que as comunidades que estão na linha de frente da preservação ambiental possam participar dos projetos financiados”.
Por trás da crítica está a nova estratégia do BNDES em relação ao Fundo Amazônia, na qual são priorizados os projetos acoplados a políticas públicas com abrangência em toda a região, além do estímulo à participação de entes subnacionais e à retomada e revisão de projetos interrompidos. “Havia projetos belíssimos, mas muito pulverizados, com resultados locais importantes, mas sem nenhum impacto na Amazônia como um todo. Pensamos em ganhar escala, pois estamos recebendo recursos vultosos. Montamos de forma consciente duas grandes frentes de estratégia. É um absurdo ter 6,7 bilhões de reais na mão e continuar a atuar só com projetinhos pulverizados. Temos de atuar de acordo com aquilo que o momento histórico exige”, explica Campello.
A diretora do banco avalia que o desmatamento na Amazônia mudou de padrão e já não é mais protagonizado pelo grileiro, seja ele pequeno ou grande desmatador. “Hoje estamos lidando com o crime, organizado internacionalmente entre fronteiras, que faz narcotráfico, rouba em massa a madeira das nossas florestas e abre